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Crítica
Um trabalho honesto, interessante e útil
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
E
m 1999, quando Bill
Clinton começava o segundo mandato como
presidente dos EUA, seu ex-secretário de imprensa George
Stephanopoulos lançou o livro
"All Too Human" (tudo humano demais) sobre sua experiência na Casa Branca.
Tratava-se de um espécime
típico do gênero literário conhecido nos EUA como "kiss
and tell" (beije e conte), em que
o autor revela ao público informação confidencial ou privada
sobre celebridades a que teve
acesso ao longo de um período
de convivência mais ou menos
íntima.
Em geral, esses livros têm
grande sucesso de vendas por
despertarem a curiosidade natural das pessoas comuns pelas
ricas ou famosas. Mas raramente contribuem para alargar
o conhecimento real que se tem
ou delas ou da sociedade em
que vivem.
Ricardo Kotscho, secretário
de imprensa da Presidência da
República do Brasil nos anos de
2003 e 2004, é um jornalista
que ao longo de 40 anos de vida
profissional sempre pautou seu
comportamento por elevados
princípios éticos. Não se espere
dele que "beije e conte".
Por isso, "Do Golpe ao Planalto - Uma Vida de Repórter"
não tem nada a ver com diversos volumes publicados por ex-assessores de Bill Clinton, Ronald Reagan, George W. Bush e
outros poderosos daqui e de lá.
Desta experiência, Luiz Inácio
Lula da Silva se livrou.
Kotscho encontrou uma fórmula engenhosa para escrever
uma autobiografia original. Ele
vai entrelaçando com habilidade e indiscutível boa técnica
jornalística memórias pessoais,
resumos de suas principais reportagens e histórias políticas
que testemunhou tanto a serviço de veículos de comunicação
quanto de seu único "patrão"
partidário, Lula.
Com isso, se não chegou a
produzir uma obra de referência fundamental sobre a história recente do país, construiu
um relato relevante e representativo destas últimas quatro décadas sob a ótica de um ator que
se colocou em circunstância
privilegiada em diversos momentos decisivos.
É um trabalho honesto, interessante e útil, em especial para
os que se interessam por jornalismo e/ou política. Quem viu
os fatos que Kotscho descreve
de uma posição próxima à sua
(como é o meu caso) poderá
discordar muitas vezes de algumas avaliações e julgamentos
do livro (como eu discordo).
Mas será certamente difícil
acusá-lo de ter distorcido a realidade.
Bombas esparsas
Aqui e ali, com muito jeito e
discrição, Kotscho deixa estourar uma ou outra bomba no colo de personagens com quem
certamente ele teve desentendimentos (inclusive eu mesmo). Mas tudo de um modo se
nem sempre afetuoso pelo menos muito pouco hostil que
marca o seu comportamento
básico (exceto em algumas raras situações, das quais seguramente quase sempre deve ter
se arrependido pouco tempo
depois).
Felizmente para ele, Kotscho
não teve de passar pelo constrangimento de explicar aos colegas as posições do governo
Lula durante os tormentosos
meses do mensalão (como Stephanopoulos teve ao longo de
boa parte do caso Mônica Lewinski).
Mas não deixa o assunto de
lado: refere-se a ele no posfácio,
que contém algumas das passagens mais tocantes e "confessionais" do livro: "[o posfácio]
É, apenas, uma tentativa de repartir com os leitores as angústias vividas por alguém que,
desde muito cedo, acreditou
num sonho coletivo, nele jogou
todas as fichas, e agora, como
tantos outros brasileiros da sua
geração, luta para não deixar a
esperança morrer".
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é diretor de
relações institucionais da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas. É membro do
Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da
USP, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e do conselho editorial da "Revista de
Política Externa". Foi diretor-adjunto de Redação da Folha e do "Valor Econômico".
DO GOLPE AO PLANALTO - UMA
VIDA DE REPÓRTER
Autor: Ricardo Kotscho
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 46 (368 págs.)
Lançamento: segunda, às 19h30, no
Avenida Club (av. Pedroso de Morais,
1.036, Pinheiros, tel. 0/xx/ 11/ 3814-7383)
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