São Paulo, domingo, 29 de julho de 2007

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

João Wainer/Folha Imagem
O motorista Oséias Silva, há 27 anos na estrada, faz o trajeto Rio-SP uma vez ao dia: "Nunca andei de avião. Nem quero!"


Dois repórteres da coluna "apostaram corrida" no trajeto SP-Rio, na terça-feira. Audrey Furlaneto, de ônibus, chegou ao Rio, descansou, trabalhou e embarcou de volta, ficando 12 horas nas estradas, onde comeu um lanche bem mais sortido que as já célebres barrinhas de cereais da Gol. Já Guilherme Ravache só chegou à porta do avião 30 horas depois do horário marcado. Na sala de embarque, pisou em cocô de cachorro. E desistiu da viagem.
 

Não foram necessários mais que dez minutos para vencer a fila na rodoviária do Tietê, comprar a passagem de R$ 75 e se preparar para o embarque no ônibus que levaria 46 passageiros ao Rio, na terça-feira, 21. Às 18h30, dez minutos antes do horário da viagem, começa o embarque. Na fila, o empresário César Simas abre a carteira. "Olha só: eu sou cartão diamante da Varig, ouro da TAM... e não serve pra nada". Aproxima-se do funcionário: "Oi, meu vôo é o das 18h40". O atendente ri: "Serve ônibus?"
 

Depois de passar por um detector de metais, os passageiros recebem um saquinho com a inscrição "viajando com prazer". É um kit diversificado: são servidos suco ou guaraná, bolacha cream cracker "levíssima", barra de biscoito com creme de chocolate e biscoitinhos de canela com banana, além de cobertor e travesseiros. "Eu tô adorando essa história de ônibus, menina! O lanche é melhor que o dos aviões. E botam até filminho pra gente ver", diz a estilista Cristina Deccache, 45. Ela viaja ao Rio a cada 15 dias. Até o acidente, só embarcava em avião. Agora, está com "pâ-ni-co". O executivo Alessandro Hinrichsen, 32, relata sua saga. "Pois é, eu até fui a Congonhas, daí me mandaram pra Guarulhos. Vi que não ia ter jeito. Peguei um táxi, cheguei correndo aqui, comprei a passagem e já tô no ônibus. Ou seja, posso dizer que tô bem satisfeito."
 

ENQUANTO ISSO, NO AEROPORTO... O vôo da TAM JJ 3950 para o Rio está marcado para a terça, às 18h32. Duas horas antes do embarque, não há filas em Congonhas. A alegria dura pouco. "Não estamos fazendo check-in. O senhor pode remarcar a passagem por telefone ou pegar a fila da loja da TAM, ali em frente", diz a atendente Lauren. É melhor telefonar. A ligação cai na secretária eletrônica, que diz: "TAM. Você nasceu para voar. TAM. Você nasceu para voar...".
 

Às 18h55, com 15 minutos de atraso, o motorista do ônibus, Rogério de Almeida, 33, encerra o embarque. E, tal como fazem os comissários nos aviões, dá as boas-vindas aos passageiros. "Boa noite, senhoras e senhores! Eu sou o motorista deste ônibus. Tenho uma boa notícia para os fumantes: é es-tri-ta-men-te proibido fumar. Nem no banheiro! Tortura, tortura! A previsão de chegada no Rio é meia-noite. Vai depender da estrada e da chuva. Qualquer problema que não seja dinheiro emprestado, é só chamar. A gente resolve!"
 

ENQUANTO ISSO, NO AEROPORTO... Já são 50 minutos e 30 segundos, marcados no relógio do celular, ouvindo a mensagem: "TAM. Você nasceu para voar". Até que a ligação cai. Na loja, são 29 minutos de fila para chegar à atendente. "O seu vôo não está cancelado. Aguarde a chamada", diz ela. Parentes das vítimas do acidente da TAM fazem manifestação. O americano Jimmy Brown, que trabalha em plataformas de petróleo, tenta embarcar para Navegantes (SC). "Minha sorte é que sou um turista experiente em Brasil." São 18h55.
 

O ônibus segue viagem. Bota de cano alto e salto agulha, a advogada Ariana Miranda, 23, fala ao celular: "Oi, já tô no ônibus. Tem até filme, mãe!". A TV exibe "A Firma", com Tom Cruise.
 

ENQUANTO ISSO, NO AEROPORTO... De repente, tudo mudou: o vôo, que estava confirmado, agora está cancelado. Embarcar para o Rio, só na quinta-feira, dois dias depois, informa a atendente Olívia. Quatro aparelhos de telefone tocam dentro da loja da TAM. Olívia olha para o monitor, passa a mão no cabelo. Os passageiros elevam a voz, batem no balcão. "A gente toma remédio de tarja preta aqui. Daí para cima", diz Olívia. "Aqui, nem o pessoal da faxina é normal." Ela remarca o vôo da coluna para as 7h de quinta-feira. Mas sugere que se tente uma vaga na manhã seguinte em listas de espera em Guarulhos. Janeslei Albuquerque, de Curitiba, vai à Anac registrar queixa contra a Gol, que cancelou vôos confirmados. Julio Pisetta, funcionário da agência, afirma: "A única forma que tenho de ajudar a senhora é indicando um hotel". E olhe lá: os hotéis perto de Congonhas estão lotados. No Ibis, o sistema até caiu, por causa do número de telefonemas.
 

Às 22h30, o ônibus estaciona num posto em Rezende. Lá, há pelo menos seis balcões: um para frios (três marcas de mortadela, presunto e queijos), outro para pães e salgados, mais um para refeições (canja, macarronada ou lingüiça frita com cebola). A estilista Cristina pede queijo quente. O executivo Alessandro Hinrichsen leva um enrolado de presunto. De volta à estrada, o motorista Rogério explica: "Eu não posso passar de 90 km/h. Quer dizer, até posso, mas acende uma luzinha vermelha aqui [no painel] e fica marcado num gráfico. É a caixa-preta do ônibus: tudo o que eu faço, o pessoal da garagem fica sabendo pelo gráfico. Quanto tempo eu parei, se passei de 90 km/h...". Ele faz apenas uma viagem por dia. "Eu e o carro. Daí eu descanso e ele vai pra manutenção." À 1h20, o ônibus chega ao Rio. "Perdoe o atraso", diz o motorista a cada passageiro que desce. "Foi a chuva. Não pude passar de 70 km/h." Os passageiros vão para suas casas, ou hotéis. E dormem.
 

ENQUANTO ISSO, NO AEROPORTO... É preciso acordar cedo para chegar às 8h no aeroporto de Guarulhos e tentar uma vaga num avião para o Rio. A corrida de táxi custa R$ 75 - o mesmo que a passagem do ônibus que já deixou a repórter na rodoviária carioca. O termômetro marca 14ºC. Há fila do lado de fora do aeroporto. A TAM avisa que a espera para um vôo vai passar de 12 horas. O consultor Raymundo Silva, do Recife, brinca: "Eu tento seguir o conselho da ministra. Relaxei, mas tenho 63 anos. Como é que vou gozar?". O repórter perambula pelo aeroporto. Um pedaço de pizza com chá custa R$ 18,90. Uma corrida de táxi para o Rio de Janeiro, R$ 934. O aluguel de um carro, R$ 400. Às 18h, a Infraero anuncia o embarque do vôo para o Rio. A TV mostra Lula dizendo que tem medo de voar.
 

No mesmo horário, 18h, o ônibus em que a coluna embarca para a viagem de volta a SP deixa a rodoviária do Rio. Ruy Pereto, 43, executivo de uma construtora paulista, devora biscoitinhos de canela servidos na viagem. É a primeira vez que faz o trajeto de ônibus. "Tô surpreso. Tá tudo limpinho! E olha a distância entre as poltronas! É TV, filme, lanchinho..."
 

ENQUANTO ISSO, NO AEROPORTO... O repórter pisa no cocô que um cachorro fez bem no portão de embarque. É a homenagem, digamos, de Mister Mick Jagger, o yorkshire de Alexandra Dure, que aguarda vôo para o Paraguai. São 21h37. O repórter desiste da viagem. Três horas depois, o ônibus que traz a enviada especial da coluna às rodoviárias do país chega pontualmente a SP.


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