São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NINA HORTA

Cacau baiano


Precisava comprar aquelas terras todas e replantar tudo com cacau, reflorestar o planeta com chocolate

GRAND HYATT nos dias 30 e 31 de julho e 1º de agosto. Um simpósio. No dicionário, "reunião de cientistas, técnicos, escritores, artistas para discutir determinado(s) tema(s)". E os cozinheiros, é claro, que são um pouco disso misturado.
Fico lendo a programação do "Paladar - Cozinha do Brasil" sem saber aonde ir. Primeiro, os que conheço bem. Mara Salles, Ana Soares e Neide Rigo. São as três bruxas boas que, no ano passado, nos converteram aos sabores amargos. Neste ano, invocaram a galinha e a estudaram profundamente. De cabo a rabo. Não sobrou nem o bico nem a crista, que Deus me poupe.
E temos o Dória brasileiramente celebrando a cozinha, sempre enxertando uma polêmica, senão qual a graça? Enrosca Darwin e Jablonka no nosso imaginário como quem não quer nada. Um prazer.
Alex Atala e Rodrigo Oliveira juntos, dupla caipira internacional mais elegante do momento. A melhor cozinheira, Helena Rizzo, discorrendo sobre crus. Terá se cansado dos cozidos? Ora, pois!
Roberta Sudbrack lá vem com uma lupa grudada sobre algum ingrediente banal que, por causa da lupa, tornar-se-á a coqueluche do ano. Carla Pernambuco vai passear pelo litoral sul, e Ana Luiza Trajano lida com peixes. Lourdes Hernandez, a cozinheira mexicana atrevida, para variar, vem com muita pimenta. E a caça? Paca, tatu, cotia, não? Workshop de Edinho Engel e Paulinho Martins. E Sergio Torres, do meu restaurante eñe, vem tapear suas sempre boas novidades.
É uma quantidade de novidades, endereços, técnicas, um encontro ao qual não se pode faltar. E jantares. Muito vinho e cachaça da boa.
No meio dos amigos, leio dois nomes que me intrigam, conheço tanto e não sei quem são. Bingo! Lembrei. Foi num daqueles polpudos artigos da revista "New Yorker", escrito por Bill Bulford, convidado de Frederick Schilling e Diego Badaró para ir à Bahia conhecer o chocolate plantado por lá.
Schilling é um americano que tinha uma fabriqueta de chocolate no sul do Oregon. Chamava-se Dagoba, e o próprio Schilling, ajudado pela família, fazia o chocolate, embrulhava as barras e tudo o mais.
Um dia, conta ele, entre acordado e dormindo, foi visitado pela deusa do cacau, Xoquiquetzql, que lhe pediu fidelidade eterna. Viajaram o mundo flutuando no ar em visita ao mundo do cacau possível. Mas ele só pensava nos trópicos.
Tudo tinha a ver com as terras queimadas, devastadas, estéreis, ressecadas, pilhadas, desnudadas. Precisava pensar um jeito de comprar aquelas terras todas e replantar tudo com cacau, reflorestar o planeta com barras de chocolate.
Num instante de lucidez ou loucura, vendeu Dagoba para a Hershey por US$ 17 milhões. Ninguém entendeu como fizera isso, como que, de orgânico convicto, um ótimo paladar, criativo nos sabores, ele se vendera ao dinheiro grosso. É que não sabiam que o sonho dele era plantar uns milhões de árvores e que, além de tudo, era devoto de uma deusa e, mais ainda, ia um dia se associar ao "brother" Diego Badaró, baiano de quatro costados do cacau.
Parece que tudo acabou muito bem, mas, para ouvir a história, vai ser preciso ir vê-los, porque o artigo da "New Yorker" parou antes. Ver e comer o Amma, o chocolate orgânico do Brasil. E conhecer dois bonitões muito jovens, risonhos, críticos, engraçados, obcecados com a terra, com o plantio, reflorestamento, meio ambiente, ética, sociedade, transparência. Sempre pode dar certo. Vamos lá conferir.

ninahorta@uol.com.br


Texto Anterior: Receita para fazer em casa
Próximo Texto: Crítica/Restaurante: Suri abranda sabores da cozinha peruana
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.