São Paulo, sábado, 29 de agosto de 2009

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Crítica/"Calor do Sangue"

Obra póstuma de Némirovsky é para fãs

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

O "Calor do Sangue" de que fala o título deste romance de Irène Némirovsky tem a ver com a energia dos jovens, o desejo que vence barreiras ou se destrói em sua impulsividade ou, como dizem os prefaciadores do volume, com o "ardor coberto às vezes por anos sob a cinza antes de aniquilar uma existência pacientemente acumulada".
Como se percebe, uma leitura assim pode se afigurar bastante dolorosa. E, de fato, há algumas passagens duras de digerir, mas, ao mesmo tempo, a escritora sabe construir lentamente um clima adequado de tensão e conduz com alguma habilidade o entrecruzamento do destino (cruel, evidentemente) dos personagens.
Em defesa da autora do elogiado "Suíte Francesa" (Companhia das Letras), deve-se lembrar que "Calor de Sangue" não foi publicado por ela em vida. Redigido provavelmente entre 1941 e 1942, esteve incompleto até 2005, quando seus manuscritos foram doados ao centro de arquivos do Imec (Instituto Memórias da Edição Contemporânea) e suas páginas finais foram recuperadas (em 1942, aos 39, ela foi presa na França e enviada para Auschwitz, onde morreu em uma câmara de gás).
Neste romance, o narrador em primeira pessoa, Silvio, um velho recluso de um vilarejo francês, conta como o destino de sua prima Hélène e de sua filha Colette se relaciona com acontecimentos esquecidos de seu passado. A sucessão de eventos provoca revelações que, aos poucos, permitem ao leitor compreender os impasses existentes no presente.
Se é difícil escapar de tom sempre tendendo a um certo pieguismo ("um sopro de vento e algumas folhas carmesins sobre as sebes anunciavam o fim dos belos dias"), o texto funciona bem ao retratar por exemplo como pessoas são aceitas ou rejeitadas nas pequenas comunidades em que vivem de acordo com costumes muito antigos que já fazem pouquíssimo sentido. Não é muito: daí tratar-se, enfim, de um livro para fãs e eventuais estudiosos da autora ou do período.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.


CALOR DO SANGUE

Autora: Irène Némirovsky
Editora: Record
Quanto: R$ 57,90 (448 págs.)
Avaliação: regular




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