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Delação marcou toda a trajetória do diretor
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Logo depois de ter colaborado
com a Comissão de Atividades
Anti-Americanas do Senado, em
1952, Elia Kazan fez um filme anticomunista e muito fraco chamado "Um Homem na Corda Bamba". Dele interessa o título, que
define muito bem seu diretor.
Pouco antes, Kazan havia cedido às pressões da ""caça às bruxas"
e delatado seus antigos colegas de
Partido Comunista. Mas havia cedido de forma um tanto estrepitosa: publicou um artigo no ""New
York Times", em que dizia, em
suma, que delatar comunistas era
uma questão de saúde pública.
Essa história começou nos anos
30, quando Kazan, já diretor de
teatro, foi de fato membro ativo
do PC. Mas, como o partido quisesse interferir em seu trabalho,
rompeu com os comunistas. Não
tinha nada com eles havia muito
tempo quando chegou ao cinema,
pelas mãos de Darryl Zanuck, nos
anos 40. Seus primeiros filmes
mostravam um diretor preocupado com questões sociais. Foi com
um filme contra o anti-semitismo, ""A Luz É para Todos", que
ganhou seu primeiro Oscar.
Em 1954, dirige uma produção
independente, ""Sindicato de Ladrões", em que um personagem
(o de Marlon Brando) vive um dilema análogo ao seu: delatar ou
não às autoridades um sindicato
portuário que era, a rigor, bela fachada do crime organizado. Para
todos os efeitos, até hoje acredita-se em ""Sindicato" como um filme
de ""justificação" de sua atitude.
Indesculpável para muitos até hoje. Há poucos anos, ao receber um
Oscar honorário, alguém há de
lembrar, talvez pela primeira vez
uma premiação desse gênero dividiu a platéia. Uma parte aplaudia o homem que, entre outras,
fora um dos criadores do Actors"
Studio e revolucionara a técnica
de interpretação no cinema americana. Outra parte preferiu cruzar os braços e não pactuar com o
delator.
O certo é que Kazan protagonizou um dos raros casos de talento
cinematográfico a se consolidar
após ter delatado colegas. A partir
de ""Sindicato", seus filmes adquiriram uma marca pessoal que até
então lhes faltava. Seus personagens passam a existir numa faixa
estreita, fora da qual a vida se torna insuportável.
A dificuldade de viver torna-se
um assunto preferencial ao qual
Kazan acrescentará o exílio, de
que trata explicitamente em ""A
Terra do Sonho Distante". Mas
essa dificuldade nunca excluirá a
sensualidade.
Homem marcado profundamente pelo episódio da ""caça às
bruxas", Kazan nunca demonstrará arrependimento por sua atitude. Aos que o criticaram respondia que sua obra falava sobre
suas convicções (que sustentava
serem de esquerda). Certo ou errado, assumiu num momento crítico da história dos EUA uma atitude radical, dilacerante, integralmente. Essa decisão será, para
sempre, uma sombra em sua reputação. Mas foi ela que lhe permitiu tornar-se um autor de cinema. Descanse em paz.
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