São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 2005

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MONK & COLTRANE/CRÍTICA

Músicos geniais criam bem engrenada máquina rítmica

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Primeiro, o silêncio. As palmas entram tímidas logo depois e, aos 11 segundos, o piano. A introdução é tocada somente pelo pianista, com a delicadeza e a complexidade que lhe são habituais. Exatamente no meio de uma frase do piano surge o saxofone, acompanhando o raciocínio melódico e expandindo as idéias musicais iniciadas dois minutos e seis segundos atrás. Os dois continuam se entremeando e se completando, solitários, até o primeiro toque da vassourinha na bateria, aos quatro minutos e meio.
Até o fim dos quase oito minutos de duração de "Monk's Mood", o tempo parece parar para que a música possa existir. Não é apenas um quarteto tocando piano, saxofone, baixo e bateria, são quatro pessoas criando mágica diante de nossos ouvidos. É o fluxo de consciência em tempo real de dois dos maiores gênios musicais de que já se teve notícia. Por quase uma hora, acompanhamos os improvisos saídos do piano de Thelonious Monk e do saxofone de John Coltrane (e do baixo de Ahmed Abdul-Malik e da bateria de Shadow Wilson) -tudo o que aconteceu na noite de 29 de novembro de 1957.
As palmas entram, sempre, no penúltimo segundo de cada música, quando o público percebe instintivamente o embate de deuses chegando ao fim. A segunda música do set, "Evidence", novamente começa com Monk solitário ao piano, até Coltrane chegar, acompanhando-lhe exatamente na mesma linha melódica. O impressionante Shadow Wilson (que morreria dois anos depois, deixando seu nome injustamente esquecido) vem logo atrás, dessa vez marcando presença com a bateria levada no chimbal. Por baixo, Ahmed Abdul-Malik sustenta e acompanha ritmo, andamento, harmonias, melodias.
Na terceira música, voltamos à lenta complexidade das harmonias e melodias desconstruídas de Monk em "Crepuscule with Nellie", composição que soa como um standard subvertido, especialidade de Monk: a familiaridade, as melodias perfeitas, tocadas com aquele toque de subversão. Coltrane, Wilson, Abdul-Malik entram pouco depois dos dois minutos, no mesmo toque.
Em "Nutty", a faixa seguinte, todos funcionam juntos como uma engrenada e empolgante máquina rítmica. Coltrane sola com vontade, deixar fluir sua inspiração, vinda tanto do bebop como do cool, já mostrando a genialidade completa que estava por vir.
"Epistrophy", dos maiores clássicos de Monk, com seus diferentes andamentos de bateria, é o ponto mais alto de um clássico tão grande, onde todos se encontram em seu momento mais inspirado.
E isso é ainda a metade do show, que traz só composições (inesquecíveis) de Monk, exceto pelo único standard tocado pelo quarteto na noite, "Sweet and Lovely", que seria regravado anos depois por Monk em disco de piano solo.
Após quase 50 anos na estante, a música passada de sons para fitas para CD continua não só tão moderna e atemporal quanto no dia em que foi gravada, mas se revela o registro definitivo do encontro de Thelonious Monk sendo tão Thelonious Monk quanto poderia e John Coltrane registrando os primeiros ápices de genialidade.
Injusto é avaliar o disco com as mesmas quatro estrelas que todos os outros. (RONALDO EVANGELISTA)


Thelonious Monk Quartet with John Coltrane at Carnegie Hall
    
Gravadora: Blue Note/EMI
Quanto: R$ 35, em média


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