|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Pequenas causas e grandes efeitos
Não sei se é verdade, mas sempre ouvi dizer que, quando uma
borboleta bate as asas na Tailândia, horas depois há um ciclone
no Caribe, um tornado na Flórida, um terremoto no México. Não
deve ser assim, na Tailândia há
muitas borboletas, e todas devem
bater asas. Fosse verdade, o mundo já teria acabado -sem necessidade de peste, de fome e de guerra.
Mas a desproporção entre causa
e efeito sempre me impressionou.
Em ""Tempos Modernos", Carlitos
sai da prisão e vai trabalhar num
estaleiro, onde um enorme navio
está em construção. O chefe dele
manda que o novo operário arranje um pedaço de pau em forma de cunha, mostra-lhe o modelo. Após tentativas frustradas, catando uma cunha igual, Carlitos
encontra o que procura: está encaixada entre outros pedaços de
madeira. Usando a marreta que
lhe deram, ele retira a cunha -e
o navio desliza pelos trilhos, é lançado ao mar e logo afunda.
Historiando a decadência do
Império Romano, Gibbons arrola
entre as causas do declínio de Roma, cujos limites tinham o tamanho do mundo, os banhos termais, que amoleciam o caráter
dos filhos da Grande Loba. De
tanto tomar banho, os romanos
ficaram frouxos, deixaram os bárbaros se apoderar das províncias, e Roma
chegou a ser
saqueada.
Nos meus
tempos de menino, o maior
cronista da
época era
Humberto de
Campos, autor
que hoje ninguém mais lê
nem cita. Lembro uma de
suas histórias,
baseada em fatos reais que ele
enriqueceu
com alguns detalhes e aos quais eu acrescentarei
outros.
Numa daquelas infindáveis
guerras entre China e Japão, o general Li Tai Peng defendeu heroicamente a sua cidadela durante
uma batalha em que tinha tudo
para vencer: melhor tropa, melhor
armamento, melhor situação no
terreno.
Quando o exército inimigo se
aproximou, ele ordenou a seus
soldados: ""Ho Tai Chim!". Nada
conheço do idioma chinês, mas
sempre ouvi dizer que eles são
compactos na linguagem, dizem
muito com poucas, pouquíssimas
palavras.
A ordem (Ho Tai Chim!), traduzida em vernáculo, significava:
""Lanceiros se coloquem à esquerda, cavaleiros à direita e infantes
avancem pelo centro!".
A economia verbal do comandante foi entendida pelos soldados, que começaram a cumprir a
ordem recebida, até que o general
descobriu uma brecha no exército
inimigo e deu uma contra-ordem:
""Hiro Tse Chim!".
Com grande pasmo, mas com
igual presteza, os soldados inverteram as posições, e os lanceiros se
colocaram à direita, os cavaleiros
à esquerda, e a infantaria se dividiu em duas, metade foi para a direita, metade foi para a esquerda.
No centro, posicionou-se a artilharia.
Era moleza a vitória. Com a nova disposição, o general teria
triunfado. Antes de o sol se pôr, ele
poderia orar no Templo da Paz
Celestial e agradecer aos deuses a
formidável vitória.
Mas havia um jornalista francês, François Seladier, correspondente do ""Figaro", o único autorizado a cobrir o heróico feito do general Li Tai Peng. Ele estava ao
lado do comandante quando as
duas ordens
foram dadas:
Ho Tai Chim!,
seguida da terrível e definitiva Hiro Tse
Chim!.
Entusiasmado com o tirocínio do valente general, Seladier não reparou que
uma mosca ia
entrando em
seu nariz. E
quando reparou já era tarde: a mosca
entrou-lhe pelas ventas, e ele
não conseguiu reprimir um tonitruante, um formidável ""Atchim!".
Deu merda. Mais uma vez pasmos, os soldados, que já estavam
devidamente posicionados, acharam que nova ordem fora dada
pelo general. Traduzido em vernáculo, o atchim, que todos entenderam como Hat chim!, significava o desespero. ""Vamos dar o
fora e que cada um cuide de si!"
Ou mais sucintamente: ""Escafedemo-nos!".
Escafederam-se todos. Atônito,
do alto de seu cavalo, o general Li
Tai Peng não compreendeu o que
se passava. Como? Sua tropa era
formada por soldados de elite. Da
Mandchúria aos contrafortes da
Grande Muralha, vieram os homens mais audazes, que não temiam morrer pelo Império Celestial e sabiam matar com a crueldade dos tártaros.
E um espirro bastava para que
todos debandassem, covardemente, deixando a cidadela exposta à
cupidez e à sanha do inimigo. Li
Tai Peng ainda tentou consertar
as coisas, gritou um ""Li Po Yang
Chim" -que significava aproximadamente: ""Cães do inferno! O
que fazeis? Borraste-vos de medo
diante do perigo?".
Mas também era tarde. Pequena causa, o espirro de um francês,
provocara um grande efeito. Ao
sol se pôr, em vez de estar no Templo da Paz agradecendo aos deuses a colossal vitória, Li Tai Peng
pediu que o degolassem e levassem sua cabeça ao general inimigo, como troféu da batalha.
François Selaider mandou para
o ""Figaro" um emocionante relato da debandada, e tão emocionado ficou com o seu texto que tomou um porre de aguardente de
arroz, tão grande que caiu nas
águas do rio Tse Yang. Pegou um
resfriado e passou a noite espirrando, sem que nada acontecesse
de importante com ele ou com o
mundo.
Texto Anterior: Evento: Debate trata de literatura francesa Próximo Texto: Disco - Titãs: "Somos uma estatal gigante", diz Nando Reis Índice
|