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MÚSICA
Racionais MCs encena a si mesmo para DVD
ISRAEL DO VALE
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA
O Racionais MCs foi submetido no último final de semana ao que talvez tenha sido sua
mais dura provação desde o reconhecimento artístico e de mercado -conjunção tão difícil de obter como de preservar.
O show de lançamento do novo
CD, "Nada como um Dia Após o
Outro Dia", três meses e 200 mil
discos vendidos depois de sua
chegada às lojas, sinaliza a um só
tempo a reafirmação e um esgarçamento de princípios, aspecto
tão caro na trajetória do grupo.
Conhecido pela defesa intransigente de sua integridade artística,
cujo ponto mais visível (e nada irrelevante, no atual contexto) é a
condição arredia em relação à mídia, o grupo de Mano Brown, Edy
Rock, Ice Blue e KL Jay deu sinais
de força ao reunir 10 mil pessoas
num show com divulgação estruturada basicamente no boca-a-boca. Nada de esmolar entrevistas, nada de pagar anúncios.
Nas quase duas horas do show,
iniciado às 3h30 (!) de domingo, o
grupo provou do céu e do inferno
do porte que atingiu. Engessado
pelo aparato montado para a produção do DVD que extrairá dali, o
quarteto se viu acuado em seu
maior patrimônio, aquele que lhe
confere credibilidade diante de
seu público: a capacidade de se indignar com naturalidade, de igual
para igual.
Amordaçado pelos podes e não-podes da captação de imagens,
Brown viu esvair-se o potencial de
interlocução com seus pares, com
a gente da periferia que o carregou nos ombros até onde chegou.
E é nisso que reside a força das
músicas (ou melhor, especificamente das letras) do grupo.
Racionais é um caso a ser estudado pelas ciências sociais. Age,
pela via artística, numa brecha
que o poder público não é capaz
de ocupar. Fala para a periferia do
mundo -em qualquer censo rasteiro, maioria absoluta- sem
abrir mão de inteligência, sem subestimar ninguém. Trata o cotidiano por parábolas da vida bandida, sob influência talvez da proliferação evangélica que floresce
nos bolsões de "desfavorecidos".
O jeito é cru, rude até. Daí as
acusações frequentes de misoginia, pela truculência verbal com
que se referem a "certas" mulheres -e, note-se, só a elas. Daí o
costumeiro dedo na cara (equivocado) por uma suposta apologia
ao crime que se depreenderia de
suas narrativas da bandidagem.
Nem sempre há equilíbrio na
ação do grupo. Agindo por vezes
no fio da navalha do julgamento
moral, Mano Brown, num dos raros momentos de explosão extra-roteiro, parou tudo para engatar
um sermão por conta de um grupo de garotos que se esparramava
pelo chão, associando isso a um
eventual consumo de maconha.
Note-se: passavam das 4h, pelo
menos oito horas depois de iniciado o evento -que teve shows
de oito outros nomes do rap- e,
na suposição de Brown, todos ali
deveriam estampar vigor, sem se
deixar levar pelo cansaço. Em seu
discurso, cobrava o espírito bravio da disposição para a luta, em
falta, dizia ele, entre certa juventude. Saiu aplaudido. Era o Mano
Brown que seu público esperava,
ainda que ao custo do puxão de
orelha.
Foi este potencial comunicativo
que o show, emoldurado pela
perspectiva do DVD, perdeu.
Adestrado pelas imposições técnicas (a primeira entrada de moto
no palco, por exemplo, foi de um
atropelo só), o grupo passou à encenação, como havia prometido
KL Jay -mas uma encenação de
si mesmo. Outro reparo: Edy
Rock amadureceu muito como
vocalista, mas o magnetismo de
Brown ainda faz diferença.
Avaliação:
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