São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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LITERATURA

WU MING

Co-fundador de coletivo literário italiano defende alternativa contra propriedade intelectual em palestras no Brasil

"Artesão" questiona o direito autoral

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

"É consentida a reprodução parcial ou total desta obra bem como a sua distribuição por via telemática para uso pessoal dos leitores, desde que sem fins comerciais."
A autorização aparece nos livros do Wu Ming, coletivo literário italiano sediado em Bolonha e que há dois anos vem adotando as práticas do chamado "copyleft", alternativa defendida pelo grupo contra as "parasitárias" leis de propriedade intelectual.
"Nós somos uma empresa e queremos viver de escrever livros. O que fazemos não é um hobby", afirmou à Folha o escritor e co-fundador do projeto Roberto Bui, 32, que, publicamente, identifica-se como Wu Ming 1 (o termo, em chinês, significa Anônimo ou Não-Famoso). Desde 23 de outubro até 23 de novembro Bui está no Brasil para participar de palestras e encontros em São Paulo, Rio, Florianópolis e Porto Alegre.
"Nos últimos três anos, milhões de pessoas vêm trocando arquivos na internet e modificando softwares livres", afirma o escritor. "Creio que estamos presenciando uma mudança estrutural na indústria cultural: a decadência da cultura de massas descrita por Adorno em favor de uma nova fase que é mais similar à cultura popular da era pré-industrial."
Além de renunciarem aos nomes próprios, portanto, os cinco membros atuais do Wu Ming não se descrevem como artistas, mas como "artesãos da narrativa".
"A cultura de massas é altamente centralizada por multinacionais que detêm o controle da indústria de entretenimento. Por outro lado, a comunidade "peer-to-peer" [baseada na livre troca entre dois computadores] é descentralizada. Daí que o autor de um software -ou de uma obra de arte- não é importante. O Linux é continuamente melhorado por uma multidão anônima."
Pelo raciocínio do Wu Ming, se tivessem existido leis de propriedade intelectual no passado, provavelmente a humanidade não teria conhecido obras como o "Gilgamesh", o "Mahabharata", a "Ilíada" e até mesmo a Bíblia.
"Contar histórias deve ser uma função social como qualquer outra. Isso derruba vários mitos sobre os autores, como o de que eles são mais sensíveis do que os outros, de que são gênios e conseguem inspiração de um nível superior de consciência. Isso é besteira reacionária."
As raízes do Wu Ming, na verdade, podem ser encontradas no projeto Luther Blissett, espécie de herói pós-moderno, "Robin Hood da era da informação", que serviu e serve ainda de inspiração para muitos manifestantes antiglobalização. Blissett, assim como Wu Ming, era um nome vazio -o de um jogador de futebol desconhecido-, cuja menção passou a ser relacionada pela imprensa italiana no final dos 90 com a do "autor" de uma série de peças e engodos que esporádica e aleatoriamente se dedicava a expor a mídia ao ridículo.
A grande obra de Luther Blissett foi "Q", um denso romance sobre os levantes camponeses e a perseguição de hereges pela Inquisição durante o século 17. O livro vendeu 200 mil cópias na Itália.


WU MING - mesa-redonda com Roberto Bui (Wu Ming/Luther Blissett), Ricardo Rosas (Rizoma.net), Tatiana Well e Felipe Fonseca (Metáfora) e Marcelo Barbão ("Geek"). Quando: amanhã, às 19h. Onde: Ação Educativa (r. General Jardim, 660, Santa Cecília, São Paulo). Quanto: entrada franca.




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