São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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Escritor de 55 anos, quarto maior best seller do planeta, é o novo dono da cadeira 21 da ABL

'É revolução interior', diz acadêmico Paulo Coelho

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A espada japonesa que ganhou no caminho de Santiago de Compostela, o músico Raul Seixas (1945-1989) e o autor de "Meu Pé de Laranja Lima", José Mauro de Vasconcelos (1920-1984). É com essa "entourage" que o escritor Paulo Coelho pretendia entrar pela porta da frente da centenária Academia Brasileira de Letras.
O autor de "O Alquimista" assumiria na noite de ontem uma das 40 "imortalidades" da instituição criada por Machado de Assis, com discurso que cita "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Coelho diz que a ABL é mais uma dessas suas cotidianas metamorfoses. "É uma revolução interior", opina o escritor, em conversa com a Folha.
Não é sua única revolução. Esse vendedor de 53 milhões de livros em mais de 150 países ("mesmo número de votos de Lula"), que o credenciam como o quarto maior best seller do planeta, diz que toda a sua literatura "mexe com o sistema estabelecido". Leia a seguir trechos de entrevista com o dono da cadeira número 21 da ABL.

Folha - O sr. escolheu o dia de São Judas Tadeu, padroeiro das causas impossíveis, para a data de sua posse na Academia. O sr. conseguiu o impossível?
Paulo Coelho -
Tudo o que pedi sempre foi possível. É uma maneira de homenagear um santo de devoção. A Academia, é verdade, é um sonho de longa data. Antes de começar a carreira, adolescente, já pensava em um dia tomar parte da ABL. A causa ficou mais impossível depois que comecei a escrever. A crítica foi muito rígida e comecei a achar que não conseguiria. Mas como você vê, o tempo é o senhor da razão.

Folha - O sr. mencionou as críticas duras e deve concordar que ainda hoje enfrenta grande preconceito como escritor best seller. Ontem um ex-operário, que disse ter lutado a vida toda com preconceitos, assumiu a Presidência da República. Hoje o sr. toma posse na Academia. O sr. se identifica com Lula?
Coelho -
Graças a Deus a vida muda, o país muda, os preconceitos terminam. Eu e Lula, é curioso, temos uma coisa em comum, embora o fenômeno dele seja mais concentrado. Ele teve 53 milhões de votos. Em junho completei 53 milhões de livros vendidos em todo o mundo. Além de vencer os preconceitos construímos a imagem de um Brasil novo.

Folha - O sr. vai ensinar os acadêmicos nos chazinhos das quintas como fazer para vender milhões?
Coelho -
De jeito nenhum. Primeiro por que não conheço o segredo. Segundo por que a proposta da Academia é uma discussão séria da cultura e da língua. Estamos ali não para esse tipo de troca, mas para debates da língua e cultura brasileira.

Folha - O sr. já recebeu prêmios importantes fora do país usando jeans tênis. Como vai ser a adaptação às novas formalidades?
Coelho -
Sou informal até o limite do possível. Alguns rituais devem ser cumpridos. Você ser um revolucionário não significa ficar quebrando tradições importantes. Eu que me dedico muito ao mundo espiritual entendo às vezes o valor da tradição.

Folha - O sr. é um revolucionário?
Coelho -
Meu estilo é totalmentre revolucionário, meu trabalho é totalmente revolucionário. Por isso houve essa reação tão exacerbada. John Grisham, o autor mais vendido no mundo, diz que não recebe nem críticas negativas nem positivas. Eu, pelo contrário, sempre provoco reações exacerbadas, para o bem ou para o mal. Tudo o que provoca reação é por que mexe com um sistema estabelecido. É uma constante na vida de todos os escritores. Todas as vezes que mexeram no estilo mexeram com o sistema acadêmico. Não estou falando da Academia Brasileira de Letras, mas da "inteligentsia". Meus livros são revolucionários por sua mensagem, uma proposta existencial, e acho que são revolucionários no seu estilo. É um estilo minimalista, que as pessoas confundem com superficial. Os críticos não dão crédito ao povo, são democráticos politicamente, mas fascistas como intelectuais.

Folha - O sr. vai revolucionar a Academia?
Coelho -
Minha escolha não é uma revolução da Academia. Mas a Academia é uma revolução interior minha. Concorrer foi um risco. Se perdesse, o mundo todo ia dizer Paulo Coelho perdeu. Mas sou corajoso.

Folha - Em Frankfurt seu próximo livro estava sendo divulgado com a idéia de que vai explorar o sexo. Dizia um folheto que "11 Minutos", romance que você lança no ano que vem, começa com a frase "Era uma vez uma prostituta chamada Maria". Por que o sexo?
Coelho -
Eu acho que nós, não os brasileiros, o mundo todo, temos uma relação muito complicada com sexo. Sempre sonhei em escrever sobre isso. Quando se escreve para 53 milhões de pessoas, se escreve para si mesmo. E como alguém de uma geração que viveu o sexo exacerbadamente, a geração hippie, eu tinha interesse em compreender. Você quando escreve tem de ter honestidade. O leitor perdoa até livro mal escrito, mas não desonesto. Polêmico ou não é a minha verdade.


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