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São Paulo, quarta-feira, 29 de outubro de 2003

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Primeiras impressões

Divulgação
Desenho "Astronomia - Olhos Curiosos Voltados ao Céu", de livro alemão sem data



Centenas de obras raras trazidas ao país pela realeza de Portugal, que seriam o embrião da Biblioteca Nacional, ganham inédita visibilidade em livro e exposição


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Houve um momento distante da história do Brasil em que o livro foi prioridade governamental absoluta. Pouco depois de cortar, suavemente, o cordão umbilical português, em 1822, o governo de Dom Pedro 1º se viu às voltas com uma fatura insólita. Lisboa exigia uma gorda indenização pelo que deixara nos trópicos.
Quando "A Conta dos Objetos que Portugal Teria Direito de Reclamar ao Brasil" chegou, três anos depois, lá estava com grande destaque o item "Bibliotheca Real", pela qual se pedia 800 contos de réis (12% de toda a bolada exigida pelos ex-donos da casa).
Sem titubear, o recém-criado império brasileiro bateu o martelo. E assim começava a história da instituição cultural mais antiga em atividade no país, a Biblioteca Nacional (BN), no Rio de Janeiro.
É dali mesmo que partem hoje duas "caravelas" que recuperam a trajetória dos 60 mil volumes que cruzaram o Atlântico pouco depois da chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808.
Hoje, no Dia Nacional do Livro -e aniversário de 193 anos da BN e de 93 anos do atual prédio-, serão lançados uma exposição que exibe ao público pela primeira vez boa parte do acervo real e "O Livro dos Livros", obra que escarafuncha, com fartas imagens, 600 desses documentos originais.
Os dois projetos nasceram da mesma fonte. Livro e exposição são filhotes de uma pesquisa que a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, 45, começou a tocar em 1999 sobre o conjunto de raridades que a dinastia de Bragança trouxe ao país.
Desses estudos, bancados pelo grupo Odebrecht, já aportou às livrarias o alentado "A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis", publicado pela Companhia das Letras no ano passado.
No ensaio, a professora de antropologia da Universidade de São Paulo apontava como a história do livro no Brasil começava, de certa forma, com um terremoto.
Quando em 1º de novembro de 1755 os lisboetas encararam uma espécie de armagedon, a antiga coleção de preciosidades literárias da realeza foi exterminada pelo conjunto de tremores de terra, maremoto e incêndio.
Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde conhecido com o marquês de Pombal, foi escalado para reerguer uma biblioteca (ou livraria, como também se chamava) real portuguesa.
Esse momento é o ponto zero também de "O Livro dos Livros", que começa com o ensaio "Ajuntar Livros". "A tradição do "ajuntar" já vinha de antes, da antiga biblioteca portuguesa. Eles partiam do princípio de que uma biblioteca ajuntava, colecionava obras. Quanto maior o acervo, mais universal e melhor seria a biblioteca", diz Schwarcz à Folha. "Diante do vazio pós-terremoto isso fica mais evidente. Era preciso conseguir coleções da maneira que fosse."
São os objetos "ajuntados" o destaque do livro que será lançado hoje. Livro "de arte", edição bilíngue, o volume também assinado pelo historiador Paulo Cesar de Azevedo (que morreu em 2002 de um câncer fulminante sem ver nem o primeiro trabalho do qual participou, "Longa Viagem", concluído) reproduz centenas de imagens seguindo a divisão dos cinco núcleos originais da coleção portuguesa.
No item "Iconografia", por exemplo, estão reproduzidas gravuras de alguns dos principais nomes do gênero, como o pioneiro alemão Albrecht Dürer (1471-1528) ou o colosso holandês Rembrandt van Rijn (1606-1699). Junto a essas "primeiras impressões" estão ainda desenhos, livros ilustrados e plantas arquitetônicas.
No segmento Cartografia, o livro, que teve como consultores Lorenzo Mammì, Lygia Fernandes da Cunha e Pedro Corrêa do Lago -hoje presidente da BN-, reproduz documentos de um dos pais da cartografia moderna, o holandês Gerardus Mercator (1512-1594), de quem a Biblioteca Nacional tem um importante mapa-múndi, entre outros.
Um curioso tratado sobre o canto das galináceas é uma das atrações do terceiro bloco, Música, rico ainda em partituras de missas.
As "jóias da coroa", efetivamente, são as reproduzidas nos dois últimos núcleos, Manuscritos e Obras Raras.
Entre os 800 mil documentos hoje guardados na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional, estão algumas das peças mais antigas da casa. São exemplares de "livros de horas", como são chamados volumes medievais para orações privadas. Entre eles, estão diversas peças dos séculos 14 e 15.
Obras Raras, por sua vez, reproduz, entre outros acepipes, pranchas com pinturas de Franz Post, um do "Index Librorum Prohibitorum" ou a rarésima "Bíblia de Mogúncia".

O LIVRO DOS LIVROS DA REAL BIBLIOTECA. Autores: Lilia Moritz Schwarcz e Paulo Cesar de Azevedo. Editora: edições Biblioteca Nacional (tel. 0/xx/21/2220-3040). Patrocinador: Odebrecht. Quanto: a definir.


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