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São Paulo, quarta-feira, 29 de outubro de 2003

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ANÁLISE

Incoerência prejudica "Sexo Frágil"

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os seriados norte-americanos penetram o espaço aéreo da TV brasileira, uma TV que até hoje se diferenciou no panorama internacional justamente por uma estranha capacidade autóctone de produção.
As convencionais sitcoms estão disponíveis nos canais a cabo. De lá inspiram produções da TV aberta, que deixam a desejar.
É o caso de "Sexo Frágil", o seriado que substituiu "Os Normais" no horário nobre da sexta-feira. O novo programa foi anunciado como uma versão masculina de "Sex and the City", a sitcom exibida no Multishow.
O projeto de realizar uma comédia de costumes que expressasse o ponto de vista dos homens sobre a instabilidade das relações amorosas pós-liberação da mulher acabou por se revelar uma versão tupiniquim de outra sitcom, "No Mundo dos Machos", que o mesmo canal exibe às segundas. O pastiche não funciona.
Quatro moços embaixo de um edredon comendo pipoca e assistindo TV de frente para a câmera não passam de expressão literal dos gringos "couch potatoes". Suas tentativas fracassadas de conquistar garotas não têm graça. A não ser por características físicas como cor ou penteado, os personagens não se diferenciam uns dos outros.
A opção por trabalhar exclusivamente com atores homens contribui para a baixa potência cômica do programa. Situações pensadas como hetero aparecem como interações homo. A incoerência dramática prejudica.
Nem tudo em "Sexo Frágil" é importado. O novo programa herdou de seu antecessor, que "saiu da TV e entrou para o cinema" (como se essa passagem significasse necessariamente uma promoção), o olhar direto para a câmera e as brincadeiras auto-reflexivas. Vani e Rui, de "Os Normais", chamavam flashbacks. Nossos novos candidatos a heróis chamam os comerciais.
Mas o que era hilário no outro, aqui é enfadonho. As opções de produção adotadas pela equipe de "Os Normais" são soluções para equações muito concretas, do Rio de Janeiro de hoje.
Gravações principalmente em estúdio, suporte digital, poucos -mas bons- atores são ingredientes que se somam à qualidade de texto e cuidado de pós-produção, para resultar em um produto que repercutiu desde o primeiro episódio.
Com temporadas mais ou menos engraçadas, "Os Normais" é mais uma demonstração de que é possível fazer barato, com inventividade. O mesmo não vale para "Sexo Frágil", que ainda não disse a que veio.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

SEXO FRÁGIL. Quando: sexta, às 23h05, na Globo.


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