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CINEMA
Festival exibe "A Paz" e "O Tempo de Amanhã", que trazem Jerzy Stuhr, principal colaborador do diretor polonês
Mostra destaca "herdeiro" de Kieslowski
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
O polonês Jerzy Stuhr, 57, é um
homem de existência atordoada.
Quem assistir aos seus dois filmes
presentes na Mostra de Cinema,
"A Paz" e "O Tempo de Amanhã", terá essa impressão reforçada, já que ambos versam sobre indivíduos que não conseguem se
adaptar à realidade vigente.
No primeiro, de 1976, trabalhou
como ator e foi dirigido pelo cineasta polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996) -diretor de
"Decálogo"-, de quem se tornou
seu principal colaborador.
Nos anos seguintes, o nome de
Stuhr tornou-se indissociável ao
de Kieslowski, quase uma sombra, o que não chega a incomodá-lo. Ao contrário, faz questão de reverenciar seu "mentor".
"Ele me ajudou muito, foi a primeira pessoa que procurei quando tive que tomar decisões difíceis
na vida. Era, além de amigo, uma
grande autoridade para mim", relembra Stuhr, em entrevista à Folha. "Depois que ele morreu, fiquei completamente sozinho.
Hoje, não tenho mais amigos; é
muito difícil ter amigos do nível
dele. Penso em Kieslowski todos
os dias, principalmente em época
de festivais como esse."
Mas, nos anos 70, Stuhr iria impressionar devido à sua formação
de ator vindo da escola teatral.
"Fui o primeiro ator profissional
com quem ele trabalhou; antes,
ele só trabalhara com amadores.
Olhou para mim como se eu fosse
um animal no zoológico."
A dupla começou em "A Cicatriz" (1976), que marcaria o momento de transição do diretor,
dos documentários para a ficção.
Durante as filmagens, Kieslowski
avisou a Stuhr que havia preparado um roteiro especialmente para
o ator. Esse seria o início do processo de criação de "A Paz".
Nele, Stuhr é Antek Gralak, homem que sai da prisão após três
anos. Ele busca um pouco de paz,
o que encontrará temporariamente em um emprego em uma
construção e no casamento com
uma bela mulher. Logo, ele se tornará cúmplice do patrão em uma
negociata. Será o início de sua
destruição, que inclui um levante
de seus colegas de trabalho.
"Este é um filme muito desconhecido, por isso tento apresentá-lo em todos os festivais possíveis.
Foi feito em um período muito
ruim da história polonesa [1976],
tempos de um sistema totalitário.
Ele era muito perigoso para a época, e logo que o finalizamos, foi repentinamente proibido de ser exibido. Assim permaneceu por 11
anos", relembra Stuhr. "A palavra
"greve" era proibida, tivemos que
alterar o final, já que o financiamento vinha da TV estatal."
Já "O Tempo de Amanhã"
(2003) traz Stuhr como diretor e
ator principal. Neste, ele é Josef,
homem recluso há 17 anos em um
mosteiro. Seus colegas não sabem
que ele abandonara mulher e três
filhos. Quando é desmascarado e
volta às ruas, tentará adaptar-se à
nova realidade sociopolítica e à
hostilidade de sua família.
Stuhr, no entanto, não vê tantas
similaridades entre a desorientação dos dois personagens. "O homem de "Tempo" é mais metafórico, trata-se de um conto moral;
em "Paz", ele é muito realista."
Ele também não vê muitas conexões entre seu cinema -este é
seu quinto filme como diretor- e
a obra de seu mentor. "O jeito de
escrever diálogos e lidar com atores é o mesmo. Mas Kieslowski fazia um cinema metafísico, ele era
atormentado por questões do
destino. Durante a vida inteira isso foi um grande problema para
ele. Já meus filmes são como livros e podem ser catalogados em
gêneros." Como ele mesmo diz, o
amanhã sempre promete dias
melhores, com mais paz.
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