São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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CINEMA

Festival exibe "A Paz" e "O Tempo de Amanhã", que trazem Jerzy Stuhr, principal colaborador do diretor polonês

Mostra destaca "herdeiro" de Kieslowski

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

O polonês Jerzy Stuhr, 57, é um homem de existência atordoada. Quem assistir aos seus dois filmes presentes na Mostra de Cinema, "A Paz" e "O Tempo de Amanhã", terá essa impressão reforçada, já que ambos versam sobre indivíduos que não conseguem se adaptar à realidade vigente.
No primeiro, de 1976, trabalhou como ator e foi dirigido pelo cineasta polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996) -diretor de "Decálogo"-, de quem se tornou seu principal colaborador.
Nos anos seguintes, o nome de Stuhr tornou-se indissociável ao de Kieslowski, quase uma sombra, o que não chega a incomodá-lo. Ao contrário, faz questão de reverenciar seu "mentor".
"Ele me ajudou muito, foi a primeira pessoa que procurei quando tive que tomar decisões difíceis na vida. Era, além de amigo, uma grande autoridade para mim", relembra Stuhr, em entrevista à Folha. "Depois que ele morreu, fiquei completamente sozinho. Hoje, não tenho mais amigos; é muito difícil ter amigos do nível dele. Penso em Kieslowski todos os dias, principalmente em época de festivais como esse."
Mas, nos anos 70, Stuhr iria impressionar devido à sua formação de ator vindo da escola teatral. "Fui o primeiro ator profissional com quem ele trabalhou; antes, ele só trabalhara com amadores. Olhou para mim como se eu fosse um animal no zoológico."
A dupla começou em "A Cicatriz" (1976), que marcaria o momento de transição do diretor, dos documentários para a ficção. Durante as filmagens, Kieslowski avisou a Stuhr que havia preparado um roteiro especialmente para o ator. Esse seria o início do processo de criação de "A Paz".
Nele, Stuhr é Antek Gralak, homem que sai da prisão após três anos. Ele busca um pouco de paz, o que encontrará temporariamente em um emprego em uma construção e no casamento com uma bela mulher. Logo, ele se tornará cúmplice do patrão em uma negociata. Será o início de sua destruição, que inclui um levante de seus colegas de trabalho.
"Este é um filme muito desconhecido, por isso tento apresentá-lo em todos os festivais possíveis. Foi feito em um período muito ruim da história polonesa [1976], tempos de um sistema totalitário. Ele era muito perigoso para a época, e logo que o finalizamos, foi repentinamente proibido de ser exibido. Assim permaneceu por 11 anos", relembra Stuhr. "A palavra "greve" era proibida, tivemos que alterar o final, já que o financiamento vinha da TV estatal."
Já "O Tempo de Amanhã" (2003) traz Stuhr como diretor e ator principal. Neste, ele é Josef, homem recluso há 17 anos em um mosteiro. Seus colegas não sabem que ele abandonara mulher e três filhos. Quando é desmascarado e volta às ruas, tentará adaptar-se à nova realidade sociopolítica e à hostilidade de sua família.
Stuhr, no entanto, não vê tantas similaridades entre a desorientação dos dois personagens. "O homem de "Tempo" é mais metafórico, trata-se de um conto moral; em "Paz", ele é muito realista."
Ele também não vê muitas conexões entre seu cinema -este é seu quinto filme como diretor- e a obra de seu mentor. "O jeito de escrever diálogos e lidar com atores é o mesmo. Mas Kieslowski fazia um cinema metafísico, ele era atormentado por questões do destino. Durante a vida inteira isso foi um grande problema para ele. Já meus filmes são como livros e podem ser catalogados em gêneros." Como ele mesmo diz, o amanhã sempre promete dias melhores, com mais paz.


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