São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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CRÍTICA

Em fase de transição, cineasta busca a redenção

SÉRGIO RIZZO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O monólogo que encerra "Crimes e Pecados", de Woody Allen, fala das "decisões penosas" que enfrentamos na vida. "Algumas têm grande peso, a maioria não tem tanto valor assim, mas definimos a nós mesmos pelas escolhas morais que fizemos", diz. Poderia ser a epígrafe de toda a obra de Krzysztof Kieslowski (1941-96), construída em torno da impossibilidade de sobreviver moralmente sem tomar partido, e se aplica ao dilema vivido pelo protagonista de "A Paz".
Antek Gralak (Jerzy Stuhr) sai da prisão disposto a obter um pouco de paz, definida por ele como "mulher, crianças, lar, ver TV depois do trabalho". Seu empenho é o de não desperdiçar essa segunda chance, outro tema recorrente nos filmes do cineasta, mas a redenção (e a liberdade, traduzida nas imagens de cavalos selvagens que pontuam a trama) custará mais caro do que imagina.
Kieslowski vivia na época sua fase de transição. Insatisfeito com o documentário, retomava a ficção, que experimentara só na universidade, em curtas. "A Paz" mantém o rigor documental, mas agrega uma noção de dramaticidade que se desenvolveria profundamente mais tarde. Esse aspecto híbrido gera interpretações distintas: enquanto Kieslowski preferia considerá-lo "a história de um homem que quer muito pouco e não consegue", é difícil negar as implicações políticas de seu registro do cotidiano de operários da construção civil.
As filmagens coincidiram com os primeiros sinais do movimento sindicalista que transformaria a Polônia. Essa inquietação trabalhista envolve também a jornada de Gralak. A certa altura, estoura uma greve, ousadia que custou ao filme anos de interdição. Stuhr assina com Kieslowski os diálogos de seu personagem, cuja dor é o ponto forte de "A Paz". Quase 30 anos depois, o ator propicia a Gralak um tipo de "reencarnação" em "O Tempo de Amanhã", seu quinto longa como diretor.
Jozef terá, como Gralak, sua segunda chance de pacificar a própria alma. Ácida no retrato da atual sociedade polonesa, a fábula é narrada com um humor negro que suaviza suas limitações e que sugere, como Kieslowski, buscar a paz no único lugar onde talvez seja encontrada: dentro de cada um.


A Paz
Spokój
   
Direção: Krzysztof Kieslowski
Produção: Polônia, 1976
Quando: hoje, às 19h, no Frei Caneca Unibanco Arteplex (outra sessão dia 2)

O Tempo de Amanhã
Pagoda Na Jutro
   
Direção: Jerzy Stuhr
Produção: Polônia, 2003
Quando: hoje, às 20h40, no Frei Caneca Unibanco Arteplex (outras sessões dias 30, 31 e 1º)



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