São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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"O ABRAÇO PARTIDO"

Daniel Burman faz busca pessoal com doses de humor ácido

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

"O Abraço Partido" ganhou o Urso de Prata em Berlim, é o candidato da Argentina ao Oscar de melhor estrangeiro e seu diretor, Daniel Burman, 32, transformou-se no novo queridinho do circuito europeu.
Com tudo isso, era de esperar que o filme pudesse servir de termômetro para medir o hype em torno da chamada "buena onda" argentina ou, pelo menos, como amostra significativa do que se produz hoje no país vizinho.
Mas será que isso é verdade? A resposta é sim, e também não. Sim, porque os ingredientes que compõem o sucesso de sua geração estão ali: a crise econômica que desde dezembro de 2001 sufoca o país, os laços familiares e a precariedade da vida cotidiana.
Não, porque tanto a matéria-prima usada pelo diretor como sua busca são extremamente pessoais. Burman é judeu descendente de imigrantes poloneses e enxerga o mundo pelas lentes que lhe foram oferecidas.
Com filmes como "O Abraço Partido" e "Esperando ao Messias", quer entender o espaço que cabe a seu mundo particular dentro do mundo de hoje e, principalmente, como manter as coisas em que acredita enquanto vive numa Argentina que desmorona.
"O Abraço Partido" conta a história de Ariel Makaroff, um jovem judeu que toca com a mãe uma lojinha de lingerie no bairro do Once, aqui transformado em metáfora da Argentina contemporânea.
As perspectivas profissionais e afetivas de Ariel são poucas, senão nenhuma. Arrependeu-se de ter abandonado a namorada e agora mata o tempo com a funcionária de um cibercafé semifalido. A lojinha parece parada no tempo.
Ariel decide, então, obter um passaporte polonês para ir a Europa atrás de uma nova vida. Sabe muito pouco sobre a Polônia, que conhece pelas canções que a avó costuma cantar e por pesquisas na internet sobre poloneses famosos. Nesse processo, quase decora as biografias do papa e Lech Walesa, mas tem dificuldade de acertar a pronúncia desses nomes.
Cerebral, mas atrapalhado nos modos e irônico, engajado numa autoflagelação contínua, o ator Daniel Hendler se transformou no alter ego do cineasta.
Dizer que o que Burman faz é "buscar sua identidade" é não só um negócio abstrato como um já massacrado clichê. A isso, Burman responde com altas doses de um humor ácido e mordaz. Seus personagens são capazes de passar horas conversando sobre coisas que parecem desimportantes.
Há uma cena, por exemplo, em que Ariel discute com o irmão a situação da galeria. O assunto é sério, mas uma grotesca imitação de peixe empalhado se debate no momento em que Ariel pergunta se o Talmude diz algo sobre a crise na Argentina. Retrato de um país? Sem dúvida, enquadrado pelas lentes criativas de Burman.


O Abraço Partido
El Abrazo Partido
   
Direção: Daniel Burman
Produção: Argentina, 2003
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Lumière e circuito



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