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HISTÓRIA/"A MISERÁVEL REVOLUÇÃO DAS CLASSES INFAMES"
Uma Revolução Francesa nos trópicos
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um bretão de mais de dois
metros de altura, socialista
romântico e sedutor incorrigível,
é expulso de Paris durante a Revolução Francesa e vem dar na costa
brasileira, onde, nas franjas da selva tropical, envolve-se na guerra
civil mais sangrenta da América
Latina no século 19.
Podia ser a sinopse de um filme
de aventura. Não é. É o ponto de
partida do mais vibrante livro sobre a Cabanagem, uma das principais revoltas populares originadas da oposição à Independência.
Em "A Miserável Revolução das
Classes Infames", Décio Freitas
consegue contar a conhecida história a partir de uma nova perspectiva, a de um narrador estrangeiro que tenta entender a violência que domina Belém, no Pará, à
luz das idéias revolucionárias disseminadas pela Europa.
O personagem em questão é
Jean-Jacques Berthier, um adepto
de Babeuf, defensor do igualitarismo que morreu guilhotinado
em 1797. Inspirador dos movimentos de esquerda do século 19,
Babeuf era chamado de "Gracchus", em referência aos irmãos
romanos Tibério e Caio Graco,
que queriam impor, pela violência, um radical programa de redistribuição das terras.
Berthier entra na história através de cartas enviadas ao irmão e
que foram parar nas mãos de
Freitas. O relato entrelaça vida sexual e luta política. O bretão vive
com uma negra e uma mameluca,
torna-se amante eventual da rainha de um mocambo e, enquanto
isso, participa da tomada de poder das "classes infames", como a
elite paraense se referia aos pobres, pretos e pardos da região.
Embora coadjuvante, Berthier
tem atuação relevante. Com sua
força, escreve Freitas, consegue
forçar o portão do arsenal de Belém e permitir que os cabanos entrem no recinto onde o governo
guarda as armas. Dias depois, em
23 de agosto de 1835, o líder popular Eduardo Angelim instala-se
no Palácio do Governo.
Angelim é um cearense de 21
anos, semi-analfabeto, que migrara para o Pará fugindo da seca.
Sem projeto político e isolado pelo poder, não consegue governar.
O paralelo com a Revolução
Francesa é traçado em dois momentos. No início, a burguesia
mobiliza os cabanos ("sans-culottes") contra a supremacia absolutista, para em seguida tentar se livrar deles. No fim, quando reina o
terror e a anarquia, há "uma náusea da revolução e um grande anseio de ordem".
Freitas, que morreu no ano passado, era amigo e colaborador do
presidente João Goulart. Comunista, sempre escreveu história do
ponto de vista dos vencidos, mas
sem glorificar a derrota. Na Revolta dos Cabanos, que se estenderia até 1840, com saldo de mais
de 35 mil mortos (um terço da população do Pará), não há heróis
nem atitudes edificantes -apenas uma história bem contada.
Oscar Pilagallo é jornalista, editor da
revista "EntreLivros" e autor de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha)
A Miserável Revolução das Classes Infames
Autor: Décio Freitas
Editora: Record
Quanto: R$ 29,90 (240 págs.)
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