São Paulo, sábado, 29 de outubro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HISTÓRIA/"A MISERÁVEL REVOLUÇÃO DAS CLASSES INFAMES"

Uma Revolução Francesa nos trópicos

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um bretão de mais de dois metros de altura, socialista romântico e sedutor incorrigível, é expulso de Paris durante a Revolução Francesa e vem dar na costa brasileira, onde, nas franjas da selva tropical, envolve-se na guerra civil mais sangrenta da América Latina no século 19.
Podia ser a sinopse de um filme de aventura. Não é. É o ponto de partida do mais vibrante livro sobre a Cabanagem, uma das principais revoltas populares originadas da oposição à Independência.
Em "A Miserável Revolução das Classes Infames", Décio Freitas consegue contar a conhecida história a partir de uma nova perspectiva, a de um narrador estrangeiro que tenta entender a violência que domina Belém, no Pará, à luz das idéias revolucionárias disseminadas pela Europa.
O personagem em questão é Jean-Jacques Berthier, um adepto de Babeuf, defensor do igualitarismo que morreu guilhotinado em 1797. Inspirador dos movimentos de esquerda do século 19, Babeuf era chamado de "Gracchus", em referência aos irmãos romanos Tibério e Caio Graco, que queriam impor, pela violência, um radical programa de redistribuição das terras.
Berthier entra na história através de cartas enviadas ao irmão e que foram parar nas mãos de Freitas. O relato entrelaça vida sexual e luta política. O bretão vive com uma negra e uma mameluca, torna-se amante eventual da rainha de um mocambo e, enquanto isso, participa da tomada de poder das "classes infames", como a elite paraense se referia aos pobres, pretos e pardos da região.
Embora coadjuvante, Berthier tem atuação relevante. Com sua força, escreve Freitas, consegue forçar o portão do arsenal de Belém e permitir que os cabanos entrem no recinto onde o governo guarda as armas. Dias depois, em 23 de agosto de 1835, o líder popular Eduardo Angelim instala-se no Palácio do Governo.
Angelim é um cearense de 21 anos, semi-analfabeto, que migrara para o Pará fugindo da seca. Sem projeto político e isolado pelo poder, não consegue governar.
O paralelo com a Revolução Francesa é traçado em dois momentos. No início, a burguesia mobiliza os cabanos ("sans-culottes") contra a supremacia absolutista, para em seguida tentar se livrar deles. No fim, quando reina o terror e a anarquia, há "uma náusea da revolução e um grande anseio de ordem".
Freitas, que morreu no ano passado, era amigo e colaborador do presidente João Goulart. Comunista, sempre escreveu história do ponto de vista dos vencidos, mas sem glorificar a derrota. Na Revolta dos Cabanos, que se estenderia até 1840, com saldo de mais de 35 mil mortos (um terço da população do Pará), não há heróis nem atitudes edificantes -apenas uma história bem contada.


Oscar Pilagallo é jornalista, editor da revista "EntreLivros" e autor de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha)

A Miserável Revolução das Classes Infames
    
Autor: Décio Freitas
Editora: Record
Quanto: R$ 29,90 (240 págs.)


Texto Anterior: Livros - Biografia: Jornalista Tarso de Castro ganha revisão passional
Próximo Texto: Vitrine brasileira
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.