São Paulo, segunda-feira, 29 de outubro de 2007 |
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GUILHERME WISNIK Do calhambeque ao iPhone
QUANDO CRIOU a definição da casa como uma "máquina de morar", Le Corbusier inspirava-se, de fato, nas máquinas do seu tempo: os transatlânticos, os aviões e os automóveis. Àquela altura (início dos anos 20), o design dessas máquinas, voltado para a padronização e a eficiência, estava a quilômetros de distância da estética arquitetônica, ainda presa a estilos históricos e a uma ornamentação artesanal. Eram elas que balizavam o verdadeiro "espírito do tempo", ao qual a arquitetura deveria aderir. Por isso é que Le Corbusier gostava de fotografar suas primeiras casas modernas com um carro do ano à frente (um Delage, um Bignan-Sport...), de modo a sublinhar a analogia entre ambos. Hoje, no entanto, todos esses carros são, para nós, "calhambeques". E é impossível não nos surpreendermos com a modernidade das casas (brancas, com amplos panos de vidro e caixilhos metálicos), em contraposição à antigüidade dos carros. No Brasil (já em 1930), Mário de Andrade dizia aceitar a escandalosa casa modernista de Warchavchik, mas confessou que gostaria de mobiliá-la com uma cadeira Luís 15, que, embora não fosse uma "máquina de sentar", era um objeto de arte, bom para "decorar a nossa vida". De lá para cá, os utensílios domésticos passaram por revoluções sucessivas, que vão da "era do detergente" (anos 50) ao iPhone. Enquanto isso, a arquitetura, que, apesar de tudo, ainda é um bem durável, refluiu em grande medida para a segurança do padrão tradicional: o gosto pelo "clássico". Assim, hoje, ninguém se espanta ao encontrar, no interior de um apartamento em estilo neoclássico, equipamentos eletrônicos de última geração feitos com o design mais avançado. Isto é: no Brasil, o mesmo mercado está disposto a consumir os dois produtos. O que isso significa? Faria sentido ter um laptop ou um aparelho de som neobarroco? Ocorreria a alguém trocar o seu Rolex por um relógio neoclássico e fantasiar-se com uma peruca cacheada à la Mozart ou Robespierre, num gesto de coerência estética em relação à casa que "escolheu"? Parece que o padrão conservador do lar contemporâneo funciona, de certo modo, como uma compensação psicológica à gula pelo design mais novo dos objetos de uso cotidiano. Ao contrário do que previa Mário, a arquitetura é que voltou a ser decorativa. Por outro lado, essas fachadas ornamentadas são, hoje, construídas muitas vezes segundo processos racionalizados, com painéis leves produzidos em série e montados rapidamente sobre uma ossatura metálica. Fica claro que, no caso da arquitetura, a estética se descolou da produção. Tanto o neoclássico de hoje quanto o neomediterrâneo dos anos 80 (com suas janelinhas de escotilha e paredes grossas chapiscadas) reduzem em muito a área de vidro e caixilhos se comparados ao padrão de um edifício moderno. Evidentemente, não foi uma má idéia para as construtoras levantar apartamentos a custos mais baixos e vender no mercado espaços mesquinhos sob o invólucro compensatório de uma mansarda real. Texto Anterior: DJs atrasam e desanimam público festeiro Próximo Texto: Leilah Assunção apresenta nova peça hoje no auditório da Folha Índice |
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