São Paulo, quinta-feira, 29 de outubro de 2009

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NINA HORTA

Filmes culinários


Alguns filmes, apesar do nome, de comida têm pouco; mas coleciono filmes memoráveis


Sou mestra em escolher filmes da mostra pelo nome culinário e ficar depois na maior saia justa, pois tenho que entregar a matéria, e alguns filmes, apesar do nome, de comida têm pouco.
Mas, com isso, vou colecionando filmes memoráveis, como "Dumplings", chinês, muito louco, uma fábula cômico-surrealista-antropofágica de terror. "Tapas", que se passa no bairro da periferia Hospitalet de Lobregat, em Barcelona.
Cinco histórias entrelaçadas, cinco tapas aparentemente inocentes... e a Espanha comilona. E "As Maçãs de Adão"?
Dinamarquês. É para ler primeiro o "Livro de Jó". Quem é que fez as coisas horríveis?
Deus ou o Diabo? As duas teorias lutam entre si numa igrejinha rural. Ótimo filme e tem uma torta de maçã, emborrachada, mas tem. Os três da penúltima mostra. Hoje fui ver "A Cozinha de Stella" ("Cooking with Stella").
Não é propriamente um filme sobre comida, mas sobre as relações entre empregados e patrões de culturas diferentes. Patrões canadenses, ela diplomata, ele chef, ela de ascendência indiana, chegando em Nova Delhi para morar.
Stella, a cozinheira e governante de meia-idade, indiana, espera os patrões com orações para que eles a aceitem. Reza no seu quarto cristão, em meio a um kitsch indiano de Coração de Jesus e Virgem Maria, cercados de néon. Dá para ver que ela adora os santos e que eles também gostam dela. Sua primeira surpresa é ver que a diplomata é a patroa. Quem cuida da criança e fica em casa é o patrão.
Não é possível, mas é verdade. Qual a profissão do patrão? Cozinheiro. Não se conforma.
Coisa jamais vista. No começo, se rebela e tenta evitar a entrada dele na cozinha. "Não se entra aqui de sapatos!" Ele quer democratizar a relação, pede que ela o chame pelo primeiro nome, quer que coma à mesa com ele, mas ela retruca: "Não entendo por que vocês estrangeiros tratam tão bem os criados. É bonito, mas ficamos muito confusos, não sabemos mais quem somos".
Na verdade, ela não quer grandes intimidades porque, além de tudo, tem um sonho na cabeça. Comprar uma casa de praia para onde possa se retirar na velhice, o que seria impossível com seu pequeno salário.
Sem remorso nenhum, considera-se Robin Hood, aquela que rouba dos ricos para dar aos pobres, e haja uísque, caixas de sabão, detergentes e cereais na despensa da família. Diz que eles trazem tudo do "duty free", e, para ela, é o "free-free".
O chef só sabe que quer e precisa se atirar na cultura indiana, sair do gueto canadense, aprender a fazer todas as comidas, transformar-se em um indiano durante o tempo em que vai morar lá. É Stella que o acompanha ao mercado, que, afinal, é o sonho de qualquer chef. Descobre as verduras frescas, as frutas, as pequenas refeições comidas ali mesmo, os curries de mil temperos, gengibres, mangas em pó, pimentas, assa-fétida, anis, caramono, cravo.
E Stella, a cozinheira, vai sub-repticiamente ganhando comissão dos fornecedores, ensinando a arte de pechinchar, de escolher uma fruta madura, de comprar um frango caipira morto e esfolado na hora. À noite, a reza de pedidos para que não descubram nada e que mais oportunidades apareçam na sua vida na embaixada, mais possibilidades de pequenos furtos não descobertos.
E assim vai indo a vida, até que contratam uma babá indiana para cuidar da criança. E agora? O que acontecerá com a vida de cozinheira-Robin Hood? Vai conseguir uma cúmplice ou terá seus lucros cortados pela nova e pura moça do interior, cheia de princípios? Daí em diante acaba a parte da comilança e a trama se enrosca. As informações sobre diretor, atores, horários, datas estão no site da mostra (www.mostra.org). E bons filmes para todos nós.

ninahorta@uol.com.br

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