São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2001

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ANÁLISE

Divisão tira sentido do prêmio

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Feliz a cinematografia que produz no mesmo ano dois longas-metragens tão vigorosos, contrastantes e complementares como "Lavoura Arcaica", de Luiz Fernando Carvalho, e "O Invasor", de Beto Brant.
O primeiro, um mergulho sem concessões numa tragédia de raízes agrárias e ressonâncias bíblicas. O segundo, um pesadelo urbano atravessado pela consciência aguda da guerra social.
Escolher entre eles era o dilema essencial que se apresentava aos jurados do 34º Festival de Cinema de Brasília.
O bom documentário "Samba Riachão", de Jorge Alfredo, corria por fora. Todos sabiam que ganharia o prêmio do público, graças ao carisma de seu protagonista -o sambista Clementino Rodrigues, o Riachão- e à energia contagiante da música baiana.
Surpreendente foi o fato de o júri, a exemplo da platéia, também se deixar levar pelo fascínio do tema, dividindo o prêmio de melhor filme entre "Lavoura" e "Samba Riachão".
Se a divisão foi motivada por diplomacia, dissensões internas ou populismo não importa. O fato é que, da maneira como se deu, ela esvaziou o sentido do prêmio e diminuiu seu impacto.
Com isso, o Candango de direção a Beto Brant acabou soando quase como um prêmio de "terceiro lugar".
Nada mais injusto. "O Invasor" é, talvez, o melhor filme do diretor de "Os Matadores" e "Ação entre Amigos".
Numa narrativa fragmentada e nervosa, em que os efeitos de cor e ritmo obtidos na finalização eletrônica produzem uma espécie de expressionismo pop, Brant expõe corajosamente o nervo da contradição social no Brasil de hoje.

Disposição salomônica
Se a divisão do prêmio de melhor ator (entre Selton Mello e Werner Schunemann) reafirma a disposição salomônica do júri, a premiação de Sabrina Greve, de "Uma Vida em Segredo", faz justiça a uma das grandes revelações do festival.
Com seu rosto de moça antiga, sua figura longilínea que sugere uma Olívia Palito pintada por Modigliani e sua atuação desdramatizada como a de um "modelo" bressoniano, Greve é o trunfo mais notável do filme de Suzana Amaral.
O Candango de roteiro conferido a Rosa Dias e Julio Bressane por seu "Dias de Nietzsche em Turim" teve o claro sentido de um prêmio de consolação a uma obra irregular, que alterna os caprichos e relaxos habituais do cineasta carioca.

Curtas
Na avaliação dos curtas, em que a tentação diplomática é menor, o júri foi mais coerente, não se deixando ofuscar pela poeira lançada nos olhos do público por filmes como "Palace 2" (vencedor do júri popular) e "Um Pouco Mais, um Pouco Menos".
"Glauces - Estudos de um Rosto", ensaio de Joel Pizzini em torno da presença cinematográfica da grande atriz Glauce Rocha, mereceu amplamente seus Candangos de filme e montagem.
Do mesmo modo, a premiação concedida aos atores Fernando Ernesto e Débora Falabella, do elenco de "Françoise", fez justiça à sutileza de sua interpretação e, por extensão, à sensibilidade do diretor Rafael Conde.
O resto é barulho.


O jornalista José Geraldo Couto viajou a convite da organização do festival


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