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ANÁLISE
Divisão tira sentido do prêmio
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Feliz a cinematografia que
produz no mesmo ano dois
longas-metragens tão vigorosos,
contrastantes e complementares
como "Lavoura Arcaica", de Luiz
Fernando Carvalho, e "O Invasor", de Beto Brant.
O primeiro, um mergulho sem
concessões numa tragédia de raízes agrárias e ressonâncias bíblicas. O segundo, um pesadelo urbano atravessado pela consciência aguda da guerra social.
Escolher entre eles era o dilema
essencial que se apresentava aos
jurados do 34º Festival de Cinema
de Brasília.
O bom documentário "Samba
Riachão", de Jorge Alfredo, corria
por fora. Todos sabiam que ganharia o prêmio do público, graças ao carisma de seu protagonista -o sambista Clementino Rodrigues, o Riachão- e à energia
contagiante da música baiana.
Surpreendente foi o fato de o júri, a exemplo da platéia, também
se deixar levar pelo fascínio do tema, dividindo o prêmio de melhor filme entre "Lavoura" e
"Samba Riachão".
Se a divisão foi motivada por diplomacia, dissensões internas ou
populismo não importa. O fato é
que, da maneira como se deu, ela
esvaziou o sentido do prêmio e diminuiu seu impacto.
Com isso, o Candango de direção a Beto Brant acabou soando
quase como um prêmio de "terceiro lugar".
Nada mais injusto. "O Invasor"
é, talvez, o melhor filme do diretor
de "Os Matadores" e "Ação entre
Amigos".
Numa narrativa fragmentada e
nervosa, em que os efeitos de cor e
ritmo obtidos na finalização eletrônica produzem uma espécie de
expressionismo pop, Brant expõe
corajosamente o nervo da contradição social no Brasil de hoje.
Disposição salomônica
Se a divisão do prêmio de melhor ator (entre Selton Mello e
Werner Schunemann) reafirma a
disposição salomônica do júri, a
premiação de Sabrina Greve, de
"Uma Vida em Segredo", faz justiça a uma das grandes revelações
do festival.
Com seu rosto de moça antiga,
sua figura longilínea que sugere
uma Olívia Palito pintada por
Modigliani e sua atuação desdramatizada como a de um "modelo" bressoniano, Greve é o trunfo
mais notável do filme de Suzana
Amaral.
O Candango de roteiro conferido a Rosa Dias e Julio Bressane
por seu "Dias de Nietzsche em
Turim" teve o claro sentido de um
prêmio de consolação a uma obra
irregular, que alterna os caprichos
e relaxos habituais do cineasta carioca.
Curtas
Na avaliação dos curtas, em que
a tentação diplomática é menor, o
júri foi mais coerente, não se deixando ofuscar pela poeira lançada
nos olhos do público por filmes
como "Palace 2" (vencedor do júri popular) e "Um Pouco Mais,
um Pouco Menos".
"Glauces - Estudos de um Rosto", ensaio de Joel Pizzini em torno da presença cinematográfica
da grande atriz Glauce Rocha,
mereceu amplamente seus Candangos de filme e montagem.
Do mesmo modo, a premiação
concedida aos atores Fernando
Ernesto e Débora Falabella, do
elenco de "Françoise", fez justiça
à sutileza de sua interpretação e,
por extensão, à sensibilidade do
diretor Rafael Conde.
O resto é barulho.
O jornalista José Geraldo Couto viajou
a convite da organização do festival
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