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LIVRO/LANÇAMENTO
Com o pseudônimo Myrna, autor aborda noiva que desiste de casar em "A Mulher que Amou Demais"
Nelson Rodrigues investiga limites do amor
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
"A Mulher que Amou Demais" é um romance tão
deslumbrante quanto o seu título.
Lúcia, 18, é a protagonista e está
para se casar com Paulo, um diplomata em começo de carreira.
Porém, 24 horas antes da cerimônia, ela cruza, acidentalmente
(esperava cruzar uma rua), com
Carlos, um desconhecido que
passa a dizer, do nada, que ela não
ama seu noivo.
O mencionado a empalidece. E
quem é este estranho a provocar
isto? Carlos vai mais longe. Diz
que também é noivo e que está já
apaixonado por Lúcia, quer se casar com ela. Acabaram de se conhecer. É doido?
Este é o primeiro e o único romance de Myrna, colunista dos
anos 40 do jornal "Diário da Noite", de quem a Cia. das Letras já
havia publicado as crônicas em
"Não se Pode Amar e Ser Feliz ao
Mesmo Tempo", no resgate coordenado por Caco Coelho.
Na verdade, Myrna, assim como Suzana Flag, era um pseudônimo de Nelson Rodrigues (1912-80). No romance, primeira vez
publicado em livro, há a tinta dele.
Na trama, o seu segredo.
Nelson faz a loucura parecer
normal, e seus personagens debatem sobre ela sem parar. Ele cria
personagens cuja impulsividade
nos é familiar. Pior ainda. Acaba
nos convencendo de que tais atos
impulsivos poderiam acontecer
com qualquer um de nós.
O inacreditável acontece, sim.
Lúcia descobre, naquela instante,
que não ama seu noivo. E acredita
ser possível se apaixonar por Carlos. Vão juntos tomar um sorvete.
E ele confessa, para aumentar
tamanha aflição, que irá matar alguém e que precisa de um álibi. O
crime será cometido no dia seguinte. Ela não pode ajudar. No
mesmo horário, ela se casará.
Chegando em casa, Lúcia sente
saudades de quem? De Carlos. E
anuncia a decisão: não haverá casamento.
Gente maluca? Não. Porque é
possível alguém desistir, de uma
hora pra outra, de um projeto de
vida, especialmente sob a sombra
da pressão. No mais, uma mulher,
para se casar, precisa amar demais. E a própria autora, na sua
coluna "Myrna Escreve", de 18 de
julho de 1949, em que anuncia o
livro a ser publicado em capítulos,
antecipa sua teoria. Há quem pergunte: pode-se amar de menos?
Ninguém ama de menos, sempre
se ama demais.
Apesar da ciência de que não há
medida para o amor, Myrna afirma: "Pouco amor não é amor". Se
uma amorosa tem consciência de
um limite qualquer que seja do
seu amor, é porque não ama. É no
amor que o sacrifício deixa de ser.
Tal descoberta cai como um piano na cabeça de Lúcia.
Dividido em capítulos, na era
anterior à telenovela, o livro sempre atinge um ápice dramático no
final de cada um. Leitoras do
"Diário da Noite" foram envolvidas numa trama que só crescia; o
lançamento do folhetim foi capa
do jornal.
As revelações de que Paulo é um
rapaz fino, controlado, que não se
exaltava e beijava mal abrem a
narrativa, o que, para o atento leitor, indica: algo não vai bem. E
acontece o inesperado. Um pedestre aparece do nada e diz: "A
verdade é que nós estamos errados: minha noiva não é para mim;
seu noivo não é para si".
Lúcia compreendeu que estava
diante de uma catástrofe. "Pode-se não conhecer uma mulher, mas
saber que ela existe e desejar encontrá-la", provoca o desconhecido Carlos.
"Que que há comigo, mamãe?",
pergunta Lúcia. Sim, ela não é
maluca de pedra, sabe que sua decisão, 24 horas antes da cerimônia
para a qual o ministro fora convidado, não faz sentido.
O absurdo passa a não ser. O
noivo confessa que pensa mais na
carreira que na noiva -seria nomeado embaixador de Alexandria. E assim, aos poucos, Rodrigues constrói a trama que pode
parecer inaceitável. Mas assim a
vida é.
A Mulher que Amou Demais
Autor: Nelson Rodrigues (sob o
pseudônimo Myrna)
Editora: Cia. das Letras
Quanto: R$ 29,50 (181 págs.)
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