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MÚSICA/CRÍTICA
Três volumes reúnem o paraíso musical de Moacir Santos
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"Paraíso." A palavra corria
como uma senha, entre os
músicos, nessas últimas semanas.
Composta em 1988, "Paraíso" é a
terceira faixa do recém-lançado
CD "Choros e Alegrias", que completa uma trilogia iniciada com
"Ouro Negro", em 2001, e continuada pelo relançamento de "Coisas" em 2004 (originalmente gravado em 1965). Os três discos não
cobrem tudo o que ele fez, mas
dão a dimensão da música de
Moacir Santos, que chega agora a
outro estágio de reconhecimento
com a edição das partituras deste
"Cancioneiro", em três volumes.
"Paraíso" é em dó menor, mas
aqui, como em vários outros casos, a tonalidade menor abriga
ambigüidades de maior. Do início
ao fim, o coral de metais reflete luzes de um e de outro lado da gama.
Uma coisa, por exemplo, é o dó
menor chegar a mi bemol maior,
seu vizinho próximo. Bem outra é
a harmonia passar por um mi menor escancarado, chocando com a
melodia. Mas é justamente da tensão entre as notas mi bemol (que
define a tonalidade menor) e mi
natural (que define a tonalidade
maior) que essa música escava
seus mistérios, reinventando um
tipo ancestral de instabilidade harmônica.
Como que a comprovar o que foi
dito, o último e espantoso acorde
de "Paraíso" é nada menos do que
a junção de dó maior, na mão esquerda, com dó menor, na direita.
Detalhes como esse não são detalhes, são a própria música de Moacir Santos, que agora, depois de
tantos anos, se pode escutar e ler
como merece.
Primorosamente editadas por
Zé Nogueira e Mario Adnet -a
mesma dupla que produziu os discos-, as partituras de "Ouro Negro" e "Choros e Alegrias" vêm escritas para um instrumento melódico e piano. Já as "Coisas" foram
transcritas no esplendor da partitura aberta, para orquestra (flauta,
metais, cordas, guitarra, piano e
percussão, em combinações variadas).
É um paraíso dos arranjadores.
Ali está, por exemplo, a mitológica
"Coisa nš 5", tema do filme "Ganga Zumba", de Carlos Diegues
(1963), no nascedouro de uma nova vertente negra da música popular moderna no Brasil, com desenhos melódicos diferentes e inusitadas complexidades rítmicas. Os
afro-sambas de Baden e Vinicius
nutriram-se disso -como Vinicius deixou claro, ao pedir a benção a Moacir Santos, no "Samba
da Bênção".
Três anos depois, o maestro pernambucano, então com 40 anos,
mudava-se para a Califórnia, onde
mora até hoje. Entre nós, sua música tem sido uma seiva meio invisível esse tempo todo, admiradíssima e esgotadíssima; novamente
acessível e legível, só deve ampliar
sua influência.
Uma canção como "Maracatu,
Nação do Amor" (arrebatadora e
engenhosamente tramada nas
enarmonias de ré bemol maior/
mi maior), uma marcha-rancho
como "Agora Eu Sei" (com riquezas de contraponto a quatro vozes), ou choros como "Flores" e
"Cleonix" (motos-perpétuos cromáticos) são coisas que, hoje, com
a dupla bênção dos discos e das
partituras, vão se tornando propriedade íntima de cada um de
nós. Elas compõem um acervo
único de beleza e alegria, num registro raro de serenidade. Enfim: é
um paraíso. O que, no caso de
Moacir Santos, é só um dos nomes
da música.
Cancioneiro (três volumes)
Autor: Moacir Santos
Editora: Jobim Music
Quanto: de R$ 47 a R$ 61 (cada volume)
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