São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2007

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Brasília consagra cinema "crespo" de Julio Bressane

Parte da platéia se retirou; para diretor foi a "vitória da sensibilidade artística"

Seis troféus conferidos a "Cleópatra" desagradaram boa parte do público, que preferia "Chega de Saudade", lembrado em duas categorias

Aline Arruda/Divulgação
Laís Bodanzky recebe o Candango de melhor direção por "Chega de Saudade', anteontem à noite


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Quando o longa "Cleópatra", de Julio Bressane, foi anunciado vencedor do 40º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, na noite da última terça, boa parte da platéia virou as costas e deixou o Teatro Nacional, insatisfeita com o resultado.
Os que ficaram dividiram-se homogeneamente entre vaias e aplausos efusivos. "Obrigado pela gentileza e pela inteligência de todos", disse Bressane.
Pela base de madeira lisa do troféu Candango, o cineasta passava o dedo indicador, dizendo: "Aqui está escrito: "Uma coisa é ser amado. Outra, é ser "o" amado'". A citação está em seu filme, dita pelo imperador romano Julio César (Miguel Falabella), um dos que tombam à sedução de Cleópatra.
Amado pelo júri oficial -foram seis troféus Candango, no total- e rejeitado por boa parte do público, Bressane acha que a divisão se explica pelo fato de seu filme ter sido feito "a contrapelo, ao arrepio, crespo no cinema brasileiro atual", o que confere à sua consagração o tom da resistência.
"É a vitória da sensibilidade artística e do esforço contra o pouco latim e muita malandragem", afirmou, redesenhando a área de conflito entre o cinema autoral e o de ambição popular, já citada na premiação.

Diálogo com a platéia
"Na minha maneira de fazer cinema, ele se completa não com o filme na lata, mas com o filme na tela. Acredito que o cinema tem de ir aonde o povo está", afirmou Laís Bodanzky, quando recebeu o Candango de melhor direção por "Chega de Saudade", eleito melhor filme segundo o voto popular.
O definitivo teste de público para "Chega de Saudade" deve acontecer no dia 21 de março do ano que vem, data prevista para sua estréia nos cinemas. Já "Cleópatra" deverá ser lançado entre abril e maio de 2008.
Além do cinema de Julio Bressane, a noite de encerramento do 40º Festival de Brasília celebrou também a obra de Glauber Rocha, com o Prêmio Especial do Júri e o troféu de melhor montagem concedidos ao documentário "Anabazys", dirigido por Paloma Rocha e Joel Pizzini, uma exegese do último filme realizado pelo cineasta baiano, "A Idade da Terra" (1980).
Ator assíduo na filmografia de Glauber, Antonio Pitanga relembrou a sessão oficial de "Anabazys", na segunda passada, última da competição. "Chorei ao ver essa obra, dizendo a mim mesmo: "Que felicidade fazer parte deste momento." Glauber vive! O cinema vive! A semente glauberiana está aí!".
Passado o tumulto, Bressane enfileirou os seis Candangos de "Cleópatra" numa poltrona do já vazio Teatro Nacional.
Pediu à atriz Djin Sganzerla (premiada como melhor coadjuvante por "Falsa Loura"), filha de Rogério Sganzerla, que os percorresse com as mãos, acariciando-os sem tocá-los.
Com Rogério Sganzerla (1946-2004), Bressane fundou a produtora Belair, no Festival de Brasília de 1968. Terminada a cena de Djin, Bressane caminhou firme em direção à câmera super-8 que o cineasta Bruno Safadi apontava para eles, captando imagens para um futuro documentário sobre a história da Belair.
Quando viu a lente bem de perto, Bressane abriu a boca. A parcela da platéia de Brasília que ficou engasgada com a vitória de "Cleópatra" foi embora antes de ver Bressane terminar a noite engolindo o cinema.


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