São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2007

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NINA HORTA

Um time para não botar defeito

Há várias biografias a serem lidas sobre chefs de cozinha, e fico sem saber por onde começar

É UMA pena. Você convive anos com um autor, uma cantora, um chef e sabe pouco dele porque não se interessa muito, ou porque o que está à vista, ou focalizado, é o livro que escreveu, a canção, a comida em si.
A pessoa passa pelos paparazzi com as duas mãos no rosto e um dia morre. Aparece a notícia, ah, que pena. E o tempo vai passando. Começa a se formar uma perspectiva, um distanciamento. O ser humano que morreu vai se transformando naquilo que ele era mesmo ou no que queríamos que ele fosse.
Há várias biografias a serem lidas sobre chefs de cozinha (quando é que um dia os cozinheiros pensariam nisto?), e fico sem saber por onde começar. Alice Waters, que só escreveu receitas, começa a ensaiar seu necrológio com "Alice Waters Chez Panisse" e "Simple Food".
Julia Child já vem sendo repaginada há alguns anos e colhe agora mais louros do que em vida. (Não, não diria isso, foi muito famosa e querida nos EUA.) E quem não se lembra dela jogando uma panqueca para os ares, na TV, a panqueca sumindo, a câmera procurando e, afinal, achando a pobre entalada lá em cima, nos fios do teto! Muito alta, desajeitada, feiosa mesmo, aquela mulher que o preconceito diria talhada para solteirona simpática, aquela com quem nunca um homem bonitão, bom, inteligente, charmoso e amoroso teria a coragem de compartilhar a carreira e as panelas.
Pois mais que ensinar comida francesa aos americanos, foi esse espécime em extinção, de homem muito educado, fino e apaixonado, o ingrediente que deu aos seus olhos brilho e graça, e sentido à sua vida.
Na pilha de livros, me dá vontade de ler o que der na telha. "Secret Ingredients - The New Yorker Book of Food and Drink". Já vou avisando, é para quem gosta da revista americana ou quer gostar um dia, quem curte seus cartuns, quem aprecia o estilo, o papel fininho, escorregadio. Tivemos a melhor professora de culinária do mundo e quase podemos dizer que morreu de "New Yorker", não foi nem de velhice. Assinava a revista e ia guardando no chão de um quartinho. Já com uns 90 anos ia lá procurar um exemplar e caía, pois é impossível pisar na "New Yorker" sem escorregar. E quebrava o fêmur a cada visita ao quarto. Foi ficando debilitada.
Aconteceu uma coisa engraçada com a "New Yorker". Não tinha uma fresta por onde se pudesse entrar virtualmente. De repente, não agüentou mais e entrou na onda. Primeiro, com uns DVDs completíssimos, mas o índice é paleolítico, o maior fracasso. No caso dos livros, resolveram sangrá-la e tirar de tudo um pouco. Livros de contos, livros de piadas, livros sobre histórias da redação. E agora tenho em mãos "Secret Ingredients - The New Yorker Book of Food and Drink". Oba!!!!
Verdade que quem é leitor muito assíduo se lembra dos mais recentes, que foram até um sucesso de escândalo como a crônica de Anthony Bourdain que o levou às alturas e mudou sua vida. Adam Gopnik, bom, interessante, falando de Paris como ninguém, e dois velhos colaboradores, A.J. Liebling e Joseph Wechsberg.
Tem as histórias de M.K. Fisher, para saber de cor, a mulher que inventou escrever bem sobre comida nos Estados Unidos, e até Roald Dahl ("A Fantástica Fábrica de Chocolate") com sua famosa história "Paladar", onde descobre os truques de um conhecedor de vinhos.
Woody Allen faz uma dieta ao modo de Dostoiévski, Bill Buford, aquele que escreveu "Calor", que acaba de sair em português, fala sobre ostras. Don DeLillo escreve sobre gelatina verde; e Dorothy Parker, sobre conversas de jantar. Um timão para não botar defeito...
Muito americano, é claro, mas quando vai aparecer um belo autor de comida brasileira que una a arte e a receita?


ninahorta@uol.com.br

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