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NINA HORTA
Um time para não botar defeito
Há várias biografias a serem lidas sobre chefs de cozinha, e fico sem saber por onde começar
É UMA pena. Você convive anos
com um autor, uma cantora,
um chef e sabe pouco dele
porque não se interessa muito, ou
porque o que está à vista, ou focalizado, é o livro que escreveu, a canção, a comida em si.
A pessoa passa pelos paparazzi
com as duas mãos no rosto e um dia
morre. Aparece a notícia, ah, que pena. E o tempo vai passando. Começa
a se formar uma perspectiva, um
distanciamento. O ser humano que
morreu vai se transformando naquilo que ele era mesmo ou no que queríamos que ele fosse.
Há várias biografias a serem lidas
sobre chefs de cozinha (quando é
que um dia os cozinheiros pensariam nisto?), e fico sem saber por
onde começar. Alice Waters, que só
escreveu receitas, começa a ensaiar
seu necrológio com "Alice Waters
Chez Panisse" e "Simple Food".
Julia Child já vem sendo repaginada há alguns anos e colhe agora mais
louros do que em vida. (Não, não diria isso, foi muito famosa e querida
nos EUA.) E quem não se lembra dela jogando uma panqueca para os
ares, na TV, a panqueca sumindo, a
câmera procurando e, afinal, achando a pobre entalada lá em cima, nos
fios do teto! Muito alta, desajeitada,
feiosa mesmo, aquela mulher que o
preconceito diria talhada para solteirona simpática, aquela com quem
nunca um homem bonitão, bom, inteligente, charmoso e amoroso teria
a coragem de compartilhar a carreira e as panelas.
Pois mais que ensinar comida
francesa aos americanos, foi esse espécime em extinção, de homem
muito educado, fino e apaixonado, o
ingrediente que deu aos seus olhos
brilho e graça, e sentido à sua vida.
Na pilha de livros, me dá vontade
de ler o que der na telha. "Secret Ingredients - The New Yorker Book of
Food and Drink". Já vou avisando, é
para quem gosta da revista americana ou quer gostar um dia, quem curte seus cartuns, quem aprecia o estilo, o papel fininho, escorregadio. Tivemos a melhor professora de culinária do mundo e quase podemos
dizer que morreu de "New Yorker",
não foi nem de velhice. Assinava a
revista e ia guardando no chão de
um quartinho. Já com uns 90 anos ia
lá procurar um exemplar e caía, pois
é impossível pisar na "New Yorker"
sem escorregar. E quebrava o fêmur
a cada visita ao quarto. Foi ficando
debilitada.
Aconteceu uma coisa engraçada
com a "New Yorker". Não tinha uma
fresta por onde se pudesse entrar
virtualmente. De repente, não
agüentou mais e entrou na onda.
Primeiro, com uns DVDs completíssimos, mas o índice é paleolítico, o
maior fracasso. No caso dos livros,
resolveram sangrá-la e tirar de tudo
um pouco. Livros de contos, livros
de piadas, livros sobre histórias da
redação. E agora tenho em mãos
"Secret Ingredients - The New Yorker Book of Food and Drink". Oba!!!!
Verdade que quem é leitor muito
assíduo se lembra dos mais recentes, que foram até um sucesso de escândalo como a crônica de Anthony
Bourdain que o levou às alturas e
mudou sua vida. Adam Gopnik,
bom, interessante, falando de Paris
como ninguém, e dois velhos colaboradores, A.J. Liebling e Joseph
Wechsberg.
Tem as histórias de M.K. Fisher,
para saber de cor, a mulher que inventou escrever bem sobre comida
nos Estados Unidos, e até Roald
Dahl ("A Fantástica Fábrica de Chocolate") com sua famosa história
"Paladar", onde descobre os truques
de um conhecedor de vinhos.
Woody Allen faz uma dieta ao modo de Dostoiévski, Bill Buford, aquele que escreveu "Calor", que acaba
de sair em português, fala sobre ostras. Don DeLillo escreve sobre gelatina verde; e Dorothy Parker, sobre
conversas de jantar. Um timão para
não botar defeito...
Muito americano, é claro, mas
quando vai aparecer um belo autor
de comida brasileira que una a
arte e a receita?
ninahorta@uol.com.br
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