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Crítica/28ª Bienal de São Paulo
Mostra naufraga em seu vazio
Pouco se salva na Bienal que tenta levantar questões institucionais sem ter um bom trabalho sobre o tema
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Em Vivo Contato", o
nome da 28ª Bienal
de São Paulo, com
curadoria de Ivo Mesquita e
Ana Paula Cohen, é um projeto
que não aconteceu.
Ao invés de uma energia vibrante, como o nome aponta, o
que se constata ao longo do pavilhão é um baixo astral geral,
fora algumas exceções, como as
performances de Joan Jonas e
Maurício Ianês.
A começar pela praça, no térreo: aquilo que seria um local
aberto, um espaço de convívio,
manteve-se escuro e desértico,
comprometendo a integridade
do projeto original.
Fora as performances, a praça acabou sendo apenas o local
onde caem aqueles que escorregam pelos dutos de Carsten
Höller, denominados "Valerio
Sisters", a obra que marca, do
ponto de vista popular, essa
edição, mas que tampouco
aborda o valerioduto que marcou as discussões iniciais dessa
Bienal. Sintomático, nesse sentido, é que a Bienal que visa
problematizar questões institucionais do circuito da arte
não tenha propiciado a criação
de sequer um trabalho vigoroso
sobre a questão. Uma mostra
reflexiva sem trabalhos políticos é uma falha grave.
Dos eventos que ocorrem na
praça, como o show de Fischerspooner ou o espetáculo
"Weightless Days", o que se
pergunta, afinal, é o que fazem
ali, qual sua contribuição ao
evento. Nenhuma. Sendo espetáculos comuns, eles poderiam
fazer parte da programação de
qualquer bom teatro da cidade.
O mesmo se pode dizer das aulas de dança da companhia de
Ivaldo Bertazzo ou de sua sensacionalista invasão ao prédio.
Nem mesmo a "Anarcademia", projeto concebido por
alunos de Dora Longo Bahia,
que dava certa vida à praça,
conseguiu se manter, tendo sua
programação cancelada.
Vazio controlado
O andar vazio ou "planta livre", como neutramente se renomeou o segundo piso, é mesmo a grande metáfora da Bienal: um espaço sitiado. Aquilo
que era previsto para ser um local de fruição, de potência criativa, tornou-se uma área controlada, onde as pessoas precisam andar de acordo com a
orientação dos seguranças,
marcados pelo pavor dos pichadores. É absolutamente contraditório, aliás, que no contexto
de uma mostra de arte, uma jovem tenha sido presa por usar
tinta para pichar o pavilhão.
As contradições do evento
estão também explícitas na
mostra do terceiro andar. Com
a pretensão de criar um novo
modelo expositivo, sem paredes, sem espaços específicos
para cada artista, fugindo do
chamado cubo branco, o que se
vê no local é outra homogeneização tirânica: a ditadura do
mobiliário e do design. Não é à
toa que o artista convidado para pensar os móveis, o colombiano Gabriel Sierra, deixou de
se apresentar como artista, assumindo o papel de cenógrafo.
Essas estruturas expositivas
são uma decorrência de um
projeto de Cohen denominado
"Istmo", durante certo tempo
apresentado na galeria Vermelho, numa pequena sala. Entretanto, quando o projeto assumiu a escala de uma Bienal,
aquilo que se valia pela experimentação não conseguiu dar
conta de um espaço tão grande.
Com isso, os artistas que melhor conseguiram apresentar
seus trabalhos foram aqueles
que escaparam dessa imposição dispositiva. O italiano Armin Link e a finlandesa Eija-Liisa Ahtila, por exemplo, conseguiram espaços onde o visitante pode de fato ter uma relação com a obra, e não ter a impressão que simplesmente se
caminha entre estandes da
Tok&Stok. Longe do pavilhão,
Carla Zaccagnini saiu-se ainda
melhor, com seu parque que
transforma a energia dos "brincantes" numa fonte de água.
Já Dora Longo Bahia, com
"Escalpo", um piso com motivos islâmicos que "sangra",
propõe uma nova forma de relação com a obra: é sujando-a
que ela se resolve. Também se
saiu bem Rivane Neuenschwander com seus 24 relógios
"zerados" exibidos em várias
partes do edifício, aliás, nem
tão bem expostos como em outros museus da cidade. É o único trabalho, mesmo assim, que
se relaciona com a idéia da suspensão, uma das questões que
Mesquita propôs para a realização da Bienal ao defender seu
projeto como uma quarentena.
Com a mostra, ainda se enfraqueceu aquela que seria a
parte central desta Bienal, ou
seja, sua vertente reflexiva por
meio de debates. Aqui, deve-se
observar que talvez o esvaziamento desses encontros seja
ainda decorrente da desconfiança do circuito de até que
ponto a instituição tem idoneidade para se auto-examinar.
Afinal, é impossível separar a
curadoria da direção da Fundação Bienal, mesmo que Cohen e
Mesquita tenham tentado. No
final, todos têm sua parcela no
fracasso da Bienal.
28ª BIENAL DE SÃO PAULO - EM VIVO CONTATO
Quando: de terça a domingo, das
10h às 22h; até 6/12
Onde: pavilhão da Bienal (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/5576-7600)
Quanto: entrada franca
Avaliação: ruim
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