São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2008

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Crítica/28ª Bienal de São Paulo

Mostra naufraga em seu vazio

Pouco se salva na Bienal que tenta levantar questões institucionais sem ter um bom trabalho sobre o tema

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Em Vivo Contato", o nome da 28ª Bienal de São Paulo, com curadoria de Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, é um projeto que não aconteceu.
Ao invés de uma energia vibrante, como o nome aponta, o que se constata ao longo do pavilhão é um baixo astral geral, fora algumas exceções, como as performances de Joan Jonas e Maurício Ianês.
A começar pela praça, no térreo: aquilo que seria um local aberto, um espaço de convívio, manteve-se escuro e desértico, comprometendo a integridade do projeto original.
Fora as performances, a praça acabou sendo apenas o local onde caem aqueles que escorregam pelos dutos de Carsten Höller, denominados "Valerio Sisters", a obra que marca, do ponto de vista popular, essa edição, mas que tampouco aborda o valerioduto que marcou as discussões iniciais dessa Bienal. Sintomático, nesse sentido, é que a Bienal que visa problematizar questões institucionais do circuito da arte não tenha propiciado a criação de sequer um trabalho vigoroso sobre a questão. Uma mostra reflexiva sem trabalhos políticos é uma falha grave.
Dos eventos que ocorrem na praça, como o show de Fischerspooner ou o espetáculo "Weightless Days", o que se pergunta, afinal, é o que fazem ali, qual sua contribuição ao evento. Nenhuma. Sendo espetáculos comuns, eles poderiam fazer parte da programação de qualquer bom teatro da cidade.
O mesmo se pode dizer das aulas de dança da companhia de Ivaldo Bertazzo ou de sua sensacionalista invasão ao prédio. Nem mesmo a "Anarcademia", projeto concebido por alunos de Dora Longo Bahia, que dava certa vida à praça, conseguiu se manter, tendo sua programação cancelada.

Vazio controlado
O andar vazio ou "planta livre", como neutramente se renomeou o segundo piso, é mesmo a grande metáfora da Bienal: um espaço sitiado. Aquilo que era previsto para ser um local de fruição, de potência criativa, tornou-se uma área controlada, onde as pessoas precisam andar de acordo com a orientação dos seguranças, marcados pelo pavor dos pichadores. É absolutamente contraditório, aliás, que no contexto de uma mostra de arte, uma jovem tenha sido presa por usar tinta para pichar o pavilhão.
As contradições do evento estão também explícitas na mostra do terceiro andar. Com a pretensão de criar um novo modelo expositivo, sem paredes, sem espaços específicos para cada artista, fugindo do chamado cubo branco, o que se vê no local é outra homogeneização tirânica: a ditadura do mobiliário e do design. Não é à toa que o artista convidado para pensar os móveis, o colombiano Gabriel Sierra, deixou de se apresentar como artista, assumindo o papel de cenógrafo.
Essas estruturas expositivas são uma decorrência de um projeto de Cohen denominado "Istmo", durante certo tempo apresentado na galeria Vermelho, numa pequena sala. Entretanto, quando o projeto assumiu a escala de uma Bienal, aquilo que se valia pela experimentação não conseguiu dar conta de um espaço tão grande.
Com isso, os artistas que melhor conseguiram apresentar seus trabalhos foram aqueles que escaparam dessa imposição dispositiva. O italiano Armin Link e a finlandesa Eija-Liisa Ahtila, por exemplo, conseguiram espaços onde o visitante pode de fato ter uma relação com a obra, e não ter a impressão que simplesmente se caminha entre estandes da Tok&Stok. Longe do pavilhão, Carla Zaccagnini saiu-se ainda melhor, com seu parque que transforma a energia dos "brincantes" numa fonte de água.
Já Dora Longo Bahia, com "Escalpo", um piso com motivos islâmicos que "sangra", propõe uma nova forma de relação com a obra: é sujando-a que ela se resolve. Também se saiu bem Rivane Neuenschwander com seus 24 relógios "zerados" exibidos em várias partes do edifício, aliás, nem tão bem expostos como em outros museus da cidade. É o único trabalho, mesmo assim, que se relaciona com a idéia da suspensão, uma das questões que Mesquita propôs para a realização da Bienal ao defender seu projeto como uma quarentena.
Com a mostra, ainda se enfraqueceu aquela que seria a parte central desta Bienal, ou seja, sua vertente reflexiva por meio de debates. Aqui, deve-se observar que talvez o esvaziamento desses encontros seja ainda decorrente da desconfiança do circuito de até que ponto a instituição tem idoneidade para se auto-examinar. Afinal, é impossível separar a curadoria da direção da Fundação Bienal, mesmo que Cohen e Mesquita tenham tentado. No final, todos têm sua parcela no fracasso da Bienal.


28ª BIENAL DE SÃO PAULO - EM VIVO CONTATO
Quando:
de terça a domingo, das 10h às 22h; até 6/12
Onde: pavilhão da Bienal (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/5576-7600)
Quanto: entrada franca
Avaliação: ruim



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