São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

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BIA ABRAMO

A ficção eficaz do reality


Competições como o "Brazil's Next Top Model" assumem ares inequívocos de farsa


UMA DAS grandes vantagens que os reality shows têm sobre as novelas está menos no fator realidade dos primeiros do que na capacidade de criar ficção de uma maneira, por vezes, mais eficiente do que as segundas.
Está chegando ao final a terceira temporada de "Brazil's Next Top Model" (quinta, às 21h; 12 anos). O programa escolhe uma entre várias meninas desesperadas para virarem modelo e a lança, por assim dizer, no mercado. O esquema é aquele básico dos reality shows de competição: a cada semana, as candidatas são submetidas a uma prova e uma candidata será eliminada.
Aparentemente, o esquema do programa é semelhante ao dos jogos. Há regras, há provas, há competição; o melhor vence, os piores tiveram sua chance e a desperdiçaram.
Mas, como na narrativa, esse tipo de jogo envolvido nos reality shows pressupõe o mesmo pacto fundamental, a suspensão da descrença. Entretanto, ao contrário da narrativa, onde esse pacto se firma entre narrador (ou narradores) e espectadores (ou leitores etc.), no reality de competição o pacto é bem mais complexo, pois envolve, por assim dizer, também os personagens.
Daí que a competição por um lugar ao sol no maravilhoso mundo das top models (ou dos executivos, no caso do similar "O Aprendiz") assume ares inequívocos de farsa. Estão todos lá, num faz de conta que acena para o mundo real, todos topando fingir que é emoção a emoção que de fato sentem.
Por isso mesmo, é, muitas vezes, muito mais envolvente do que qualquer trama inventada na novela, com outra vantagem adicional: dura menos e só exige do espectador uma hora por semana.
Você vê uma vez e não consegue parar de voltar, a cada novo episódio. Quem será que vai ser humilhada desta vez? Quem vai se desfazer em lágrimas diante de jurados sádicos? Quem vai olhar para a "hostess" Fernanda Motta implorando silenciosamente por misericórdia e ouvir a sentença final? Quem, depois de salva da guilhotina, vai prometer melhorar, com voz sumida e lágrimas, só para ser ceifada na semana seguinte?
E é claro, de acordo com a sua índole, você começa a torcer pela moça que namora meninas, ou pela da favela, ou pela que está grávida, ou pela que parece tão boazinha...
Só não é melhor porque, em vez de funcionar como um antídoto virtual para que milhares de meninas pelo Brasil desistam da profissão como seria razoável, acaba tendo o efeito contrário. Prova de que a ficção "artificial" do reality é realmente eficaz.
biabramo.tv@uol.com.br


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