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São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

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Psicanalista francês Michel Schneider conta instantes finais de grandes autores

Último capítulo

FERNANDO EICHENBERG
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM PARIS

O psicanalista e escritor francês Michel Schneider, 59, é um ávido leitor de obras sobre a vida de escritores. Ele mesmo já produziu dois ensaios biográficos, sobre Charles Baudelaire e Marcel Proust, sem contar seu livro sobre o pianista Glenn Gould.
Desta vez, sua pena se dedicou às últimas palavras de escritores. "Acho que a vida de um escritor e sua morte dizem algo sobre sua obra. Assim como sua obra diz algo sobre sua morte", observa.
Em "Morts Imaginaires" (Mortes Imaginárias; ed. Grasset, 380 págs., 23 euros), com lançamento no Brasil em 2004, Schneider conta, à sua maneira, os derradeiros instantes de 36 escritores. Entre os eleitos, encontram-se nomes como Pascal, Kant, Goethe, Stendhal, Balzac, Gustave Flaubert, Benjamin Constant, Rainer Maria Rilke e Truman Capote.
O autor, no entanto, descarta ter feito um estudo depressivo. "Trata-se de mostrar pessoas no sobressalto da vida erguida contra a morte. Montaigne diz que "filosofar é aprender a morrer". Talvez escrever também seja, de uma certa forma, aprender a morrer."
Para Schneider, o principal tema de seu livro é a questão do desaparecimento da linguagem. "Interessa-me o que a morte pode dizer da linguagem, mas também o que a linguagem pode dizer da morte, nesse vaivém constante que perpassa os escritores."

Folha - Seu livro descreve mortes de escritores reais, mas há também uma parte de invenção, certo?
Michel Schneider -
Assumo plenamente a parte de invenção. Mantenho os elementos factuais, mas não me proíbo de tratar essas pessoas como personagens de romance, escutar o que eles podem pensar e lhes emprestar sonhos, emoções, lembranças e afetos. Não pretendi fazer um livro de história da literatura. Se quiser ser verdadeiro, é preciso aceitar que não seja exato. Nas pesquisas, foi engraçado ver que, ao ler cinco biografias de Balzac, encontrei cinco mortes diferentes. Tudo faz com que seja necessário se liberar da preocupação de exatidão histórica e entrar na ficção.

Folha - Há também diferentes versões para o fim de André Gide...
Schneider -
Antes mesmo que o morto seja enterrado, ele é velado sob palavras e grandes frases que não disse. A morte de Gide dura três dias e, nos últimos momentos, a metade das pessoas afirma tê-lo ouvido dizer: "C'est bien" [Está bem], o que dá uma visão serena, distante, depurada da agonia. Outros ouviram: "C'est rien" [Não é nada], uma visão sombria, niilista. Apenas mostro cenas que fazem sonhar.

Folha - O que dizer sobre a morte e a perpetuação pela literatura?
Schneider -
Estamos numa época na qual a obsessão do individualismo democrático é "viver sua vida". Já o escritor busca viver sua morte ou, como diz Rilke, morrer de sua própria morte. Ele se refere a uma morte escrita, não se trata de algo fúnebre. Por isso a morte que prefiro das que descrevo no livro é a de Alexandre Dumas, que diz "não tenho medo da morte, pois, quando ela chegar, lhe contarei uma história". Como se pudéssemos, realmente, retardar a morte do corpo e, sobretudo, a morte do pensamento. Gosto dessa idéia de luta. O que me interessa não é saber como eles morreram, mas como não morreram. Como ainda tentaram existir, permanecer por meio de uma palavra ou uma página escrita.


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