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Psicanalista francês Michel Schneider conta instantes finais de grandes autores
Último capítulo
FERNANDO EICHENBERG
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM PARIS
O psicanalista e escritor francês
Michel Schneider, 59, é um ávido
leitor de obras sobre a vida de escritores. Ele mesmo já produziu
dois ensaios biográficos, sobre
Charles Baudelaire e Marcel
Proust, sem contar seu livro sobre
o pianista Glenn Gould.
Desta vez, sua pena se dedicou
às últimas palavras de escritores.
"Acho que a vida de um escritor e
sua morte dizem algo sobre sua
obra. Assim como sua obra diz algo sobre sua morte", observa.
Em "Morts Imaginaires" (Mortes Imaginárias; ed. Grasset, 380
págs., 23 euros), com lançamento
no Brasil em 2004, Schneider conta, à sua maneira, os derradeiros
instantes de 36 escritores. Entre os
eleitos, encontram-se nomes como Pascal, Kant, Goethe, Stendhal, Balzac, Gustave Flaubert,
Benjamin Constant, Rainer Maria
Rilke e Truman Capote.
O autor, no entanto, descarta ter
feito um estudo depressivo. "Trata-se de mostrar pessoas no sobressalto da vida erguida contra a
morte. Montaigne diz que "filosofar é aprender a morrer". Talvez
escrever também seja, de uma
certa forma, aprender a morrer."
Para Schneider, o principal tema de seu livro é a questão do desaparecimento da linguagem.
"Interessa-me o que a morte pode
dizer da linguagem, mas também
o que a linguagem pode dizer da
morte, nesse vaivém constante
que perpassa os escritores."
Folha - Seu livro descreve mortes
de escritores reais, mas há também
uma parte de invenção, certo?
Michel Schneider - Assumo plenamente a parte de invenção.
Mantenho os elementos factuais,
mas não me proíbo de tratar essas
pessoas como personagens de romance, escutar o que eles podem
pensar e lhes emprestar sonhos,
emoções, lembranças e afetos.
Não pretendi fazer um livro de
história da literatura. Se quiser ser
verdadeiro, é preciso aceitar que
não seja exato. Nas pesquisas, foi
engraçado ver que, ao ler cinco
biografias de Balzac, encontrei
cinco mortes diferentes. Tudo faz
com que seja necessário se liberar
da preocupação de exatidão histórica e entrar na ficção.
Folha - Há também diferentes
versões para o fim de André Gide...
Schneider - Antes mesmo que o
morto seja enterrado, ele é velado
sob palavras e grandes frases que
não disse. A morte de Gide dura
três dias e, nos últimos momentos, a metade das pessoas afirma
tê-lo ouvido dizer: "C'est bien"
[Está bem], o que dá uma visão
serena, distante, depurada da
agonia. Outros ouviram: "C'est
rien" [Não é nada], uma visão
sombria, niilista. Apenas mostro
cenas que fazem sonhar.
Folha - O que dizer sobre a morte
e a perpetuação pela literatura?
Schneider - Estamos numa época na qual a obsessão do individualismo democrático é "viver
sua vida". Já o escritor busca viver
sua morte ou, como diz Rilke,
morrer de sua própria morte. Ele
se refere a uma morte escrita, não
se trata de algo fúnebre. Por isso a
morte que prefiro das que descrevo no livro é a de Alexandre Dumas, que diz "não tenho medo da
morte, pois, quando ela chegar,
lhe contarei uma história". Como
se pudéssemos, realmente, retardar a morte do corpo e, sobretudo, a morte do pensamento. Gosto dessa idéia de luta. O que me
interessa não é saber como eles
morreram, mas como não morreram. Como ainda tentaram existir, permanecer por meio de uma
palavra ou uma página escrita.
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