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LITERATURA
Escritor francês afirma que o fim na sociedade atual apenas existe na negação e na representação do cinema
"Quem não pensa na morte se priva da alegria da vida"
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM PARIS
Leia abaixo a continuação da
entrevista com o psicanalista Michel Schneider, autor de "Morts
Imaginaires", sobre os últimos
instantes de escritores famosos.
(FERNANDO EICHENBERG)
Folha - Como é morrer como um
artista da frase?
Schneider - Muitas vezes uma
defesa contra o fim das palavras é
criar a palavra final. A expressão
"ter a última palavra" significa
mostrar que somos mais fortes,
mais malandros, mais inteligentes. Mas é a morte que tem a última palavra -e sua última palavra é muda, é o silêncio. Freud
mostrou que a palavra espirituosa
é uma provocação lançada à morte, porque por trás da última palavra há sempre o medo da morte.
A linguagem é o que nos separa,
imperfeita e provisoriamente, da
morte. De certa forma, o autor escreve sua morte e sua vida.
Folha - O senhor cita cinco categorias de escritores mortos. Como
são aqueles que morrem de história, como Walter Benjamin?
Schneider - Há efetivamente o
peso da história. Não se morre do
mesmo modo na época de Montaigne, de Jean Lorrain ou de
Maupassant. Para Montaigne, as
últimas palavras são ao nosso Pai.
Promete-se sua alma à Deus e recita-se a oração dos cristãos. É só
no fim do século 17 ou 18 que se
começa a morrer "eu", essa idéia
moderna e individualista que encontramos em Benjamin Constant, Stendhal ou Rilke. Cada escritor pertence à sua história e
também à história em si mesma.
Para alguns, como Stefan Zweig
ou Walter Benjamin, há o peso da
história, de totalitarismos que fizeram com que se suicidassem.
Folha - Para o sr., Pascal e Tolstói,
por exemplo, morreram de Deus?
Schneider - O caso de Pascal é
surpreendente. A frase mais terrível do livro está em seu pensamento: "Morreremos sós". Não se
espera isso de um pensador cristão. Pascal morre do único amor
que concebeu, o amor de Deus.
Um amor trágico e doloroso.
Folha - Entre todos, o sr. diz preferir aqueles que "morrem de sua
morte", como Montaigne ou Freud.
Schneider - São aqueles que não
têm uma morte forçosamente estóica, mas algo de um olhar que
não retorna, que reconhecem a
força da morte. Meus preferidos
morreram na busca do sentido. E,
quando não havia mais sentido a
buscar, o jogo acabou, a comédia
terminou. Considero justa a crença que diz que viver é dar sentido
ao que não possui sentido.
Folha - Para o sr., a palavra "morte" invoca música e consolação?
Schneider - Gosto da idéia de
que, em francês, a palavra "morte" [mort] é a palavra "palavra"
[mot] com uma letra a mais. É
uma palavra que não me faz mal,
embora não goste do que está por
trás dela. O livro começa e termina pela palavra "terminar", foi algo deliberado. É a idéia de que se
completou um tema, com variações bastante contrastadas, rápidas, curtas, longas, lentas, tristes,
engraçadas. Mas ainda prefiro a
palavra "morrer", porque escrevemos para que algo não termine.
Folha - E a consolação?
Schneider - Não se trata de remastigar a morte com amargura,
mas de não fugir dela, não renegá-la ao fundo do não-representável,
num hospital com sondas e tecnologias avançadas. Pertenço a
uma geração em que havia uma
apropriação da morte pela sociedade. Hoje, a morte existe na representação do cinema, mas na
negação, é sempre a morte violenta. Como a pornografia, de uma
certa forma, é a negação da sexualidade, a morte violenta é uma negação da morte banal, cotidiana.
Aqueles que tentam não pensar
na morte acabam se privando da
alegria de viver.
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