São Paulo, sexta-feira, 30 de janeiro de 2004

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CINEMA/ESTRÉIAS

"A ÁRVORE, O PREFEITO E A MEDIATECA" e "A COLECIONADORA"

Filmes mostram fases diferentes do diretor

Rohmer coloca vontades contra objetividade

Divulgação
Haydée Politoff em "A Colecionadora", que relançou a carreira de Eric Rohmer nos anos 60


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Os dois filmes de Eric Rohmer que estréiam nesta semana apresentam circunstâncias fundamentalmente diferentes.
"A Colecionadora", um de seus "Contos Morais", é o filme que relança sua carreira, em 1966, após o fracasso de "O Signo do Leão", graças, em grande parte, à audácia do tema: os jogos amorosos envolvendo Haydée, Adrien e Daniel. Todos são belos, todos sabem que agradam com facilidade.
Fiquemos com Haydée e Adrien -ele, o narrador da história, que desde que se vêem iniciam um jogo de sedução. Haydée é a mulher de todos. Adrien não a quer, entre outras porque está mais preocupado com sua atual garota, que foi para Londres.
Mas não a quer realmente? A quase adolescente Haydée é a sensualidade em pessoa, e à sua insistência em passear de biquíni, como quem não quer nada, não ficará indiferente a imaginação libertina de Adrien. É o início de um belo combate.
Depois do fracasso de "O Signo do Leão", Rohmer não encontrava produtores para sua história. Acabou filmando-a num sistema cooperativo, de que participaram Barbet Schroeder, produtor, e Nestor Almendros, que se tornaria um dos fotógrafos mais importantes do mundo.
A falta de recursos, a necessidade de economizar filme de maneira obsessiva, a equipe reduzida acabaram por fundar o "sistema Rohmer", que ele utilizaria ao longo de toda sua carreira -sem prejuízo dos resultados, diga-se.
O tema e as audácias eróticas fizeram de "A Colecionadora" um sucesso algo incompreensível em nossos dias. Mas os encantos de Haydée Politoff persistem intactos, assim como os do filme.
Bem outra é a chave de "A Árvore, o Prefeito e a Mediateca". Em 1993, Rohmer já era um autor de cinema conhecido e havia concluído suas três séries famosas ("Comédias e Provérbios" e "Contos das Quatro Estações", além de "Contos Morais").
Trata-se, assim, de um de seus deliciosos filmes "de passagem", que não têm tema histórico, nem pertencem às séries. No caso, aborda-se uma questão francamente política: um prefeito socialista pretende construir uma mediateca em sua cidade, como forma de se projetar nacionalmente.
Uma repórter vem a sua cidade fazer um texto sobre o assunto e topa com um professor que considera inadmissível arrancar uma determinada árvore para criar a mediateca. Ela escreve uma reportagem com os dois lados. Mas viaja e, em sua ausência, o editor, precisando cortar a matéria, dá destaque ao que diz o professor.
É um dos acasos de uma história construída toda em torno dos acasos. Pode-se notar que, de "A Colecionadora" a "A Árvore, o Prefeito e a Mediateca" (1993) pouca coisa muda: em ambos, existem vontades que se defrontam com uma situação objetiva pela qual não passam intocados -por exemplo (para não falar do sistema de produção).
Mas neste último percebe-se algo raro: Rohmer fala de política e políticos, de mídia, poder, ambições. É verdade que se recusa a tirar conclusões e a julgar os personagens. Como sempre, limita-se a observá-los, a mostrá-los em sua complexidade. São dois filmes absolutamente diferentes, mas igualmente encantadores.


A Árvore, o Prefeito e a Mediateca
L'Arbre, le Maire et la Médiathèque
    
Produção: França, 1993
Direção: Eric Rohmer
Com: Pascal Greggory e Arielle Dombasle
Quando: a partir de hoje no Cinesesc

A Colecionadora
La Collectionneuse

    
Produção: França, 1967
Direção: Eric Rohmer
Com: Patrick Bauchau e Haydée Politoff
Quando: a partir de hoje no Top Cine



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