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NY vê variações de foto clássica de Che
SÉRGIO RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Não se sabe no que Ernesto
Guevara (1928-1967) pensava no
breve instante em que, ar compenetrado, deu um passo à frente.
Em seguida, voltou a se esconder
entre as pessoas que ocupavam
uma plataforma em Havana. Era
o funeral dos 75 mortos na explosão, no dia anterior, do navio belga Le Coubre, que transportava
armamentos para Cuba.
Como a ação havia sido atribuída à CIA, Fidel Castro convocou
uma demonstração de força da
qual participaram convidados como Jean-Paul Sartre e Simone de
Beauvoir, que visitavam o país. O
fotógrafo Alberto Korda (1928-2001) estava lá, dando prosseguimento à tarefa oficial de registrar
as novas lideranças cubanas.
Nas poses 40 e 41 de um dos filmes que instalou em sua Leica
M2, Korda captou a expressão de
Guevara naquele passo à frente.
Teve tempo de enquadrá-lo primeiro na horizontal, com o perfil
de um intruso anônimo à esquerda, e depois na vertical. Nascia ali,
em 5 de março de 1960, a "imagem mais reproduzida na história
da fotografia".
A avaliação é da editora e escritora inglesa Trisha Ziff, curadora
da exposição "Che! Revolution
and Commerce" (Che! revolução
e comércio), em cartaz até 25 de
fevereiro no International Center
of Photography, em Nova York.
Fotos, exemplares de jornais, revistas e livros, vídeos, pôsteres, camisetas e outros objetos resumem
a trajetória do retrato.
"Guerrillero Heroico" foi o título dado por Korda, ex-fotógrafo
de moda. "Ele se baseou na linguagem visual dos heróis mitológicos que prevaleceu na era do
realismo socialista, acentuando a
expressão clássica de Che que
lembra Jesus", diz Trisha. "Ao
mesmo tempo, o ar enigmático de
Che encampa determinação e desejo."
A foto foi publicada pela primeira vez em 16 de abril de 1961,
no jornal cubano "Revolución",
em anúncio de uma conferência
de Che, sobre a industrialização
de Cuba, que terminou adiada: no
mesmo dia, 1.300 contra-revolucionários patrocinados pela CIA
tentaram invadir a Baía dos Porcos. Outro anúncio, no dia 28, a
publicou novamente.
Daí em diante, nem mesmo
Korda sabia explicar como ela foi
se multiplicando. A exposição
rastreia algumas fontes, como a
edição de 19 de agosto de 1967 da
revista francesa "Paris Match".
Teria sido a primeira publicação
da foto na Europa, ilustrando a
abertura da reportagem de Jean
Lartéguy sobre guerrilheiros.
O editor italiano Giangiacomo
Feltrinelli, que foi à Bolívia para
interceder pela liberação do intelectual francês Régis Debray e
imaginou o fim de Che, visitou o
estúdio de Korda, saiu de lá com o
retrato e, anunciada a morte, imprimiu pôsteres que circularam
na Primavera de Praga, nas manifestações de maio de 1968 em Paris e no movimento pelos direitos
civis na Irlanda do Norte.
Apropriada inicialmente pela
esquerda, a imagem foi aos poucos servindo a outros propósitos.
"Nos EUA, ela se tornou muito
genérica", afirma Trisha. "Ela é
usada com freqüência mais como
idéia de rejeição do que de mudança e se inseriu de tal forma na
cultura de massa que perdeu seu
parentesco com Che."
Bebês vestem camisetas com a
imagem, lembra ela, bem como
"pessoas que nunca apoiariam o
legado ideológico de Che". "Há
uma distinção clara. Nos EUA,
existe a cultura de transformar tudo em mercadoria. Na América
Latina, não é bem esse o caso."
Intervenção do brasileiro Vik
Muniz sobre o retrato integra a
mostra, que ajuda a entender como mudou o tratamento de créditos e direitos fotográficos. "Essa
cultura ainda não existia em 1967,
especialmente entre a esquerda",
diz Trisha. "Isso valia também para Cuba, que hoje reconhece os
acordos internacionais de copyright. Agora, a imagem é monitorada pelos herdeiros de Korda,
mas ainda assim é constantemente usada sem permissão."
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