São Paulo, segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NY vê variações de foto clássica de Che

SÉRGIO RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Não se sabe no que Ernesto Guevara (1928-1967) pensava no breve instante em que, ar compenetrado, deu um passo à frente. Em seguida, voltou a se esconder entre as pessoas que ocupavam uma plataforma em Havana. Era o funeral dos 75 mortos na explosão, no dia anterior, do navio belga Le Coubre, que transportava armamentos para Cuba.
Como a ação havia sido atribuída à CIA, Fidel Castro convocou uma demonstração de força da qual participaram convidados como Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, que visitavam o país. O fotógrafo Alberto Korda (1928-2001) estava lá, dando prosseguimento à tarefa oficial de registrar as novas lideranças cubanas.
Nas poses 40 e 41 de um dos filmes que instalou em sua Leica M2, Korda captou a expressão de Guevara naquele passo à frente. Teve tempo de enquadrá-lo primeiro na horizontal, com o perfil de um intruso anônimo à esquerda, e depois na vertical. Nascia ali, em 5 de março de 1960, a "imagem mais reproduzida na história da fotografia".
A avaliação é da editora e escritora inglesa Trisha Ziff, curadora da exposição "Che! Revolution and Commerce" (Che! revolução e comércio), em cartaz até 25 de fevereiro no International Center of Photography, em Nova York. Fotos, exemplares de jornais, revistas e livros, vídeos, pôsteres, camisetas e outros objetos resumem a trajetória do retrato.
"Guerrillero Heroico" foi o título dado por Korda, ex-fotógrafo de moda. "Ele se baseou na linguagem visual dos heróis mitológicos que prevaleceu na era do realismo socialista, acentuando a expressão clássica de Che que lembra Jesus", diz Trisha. "Ao mesmo tempo, o ar enigmático de Che encampa determinação e desejo."
A foto foi publicada pela primeira vez em 16 de abril de 1961, no jornal cubano "Revolución", em anúncio de uma conferência de Che, sobre a industrialização de Cuba, que terminou adiada: no mesmo dia, 1.300 contra-revolucionários patrocinados pela CIA tentaram invadir a Baía dos Porcos. Outro anúncio, no dia 28, a publicou novamente.
Daí em diante, nem mesmo Korda sabia explicar como ela foi se multiplicando. A exposição rastreia algumas fontes, como a edição de 19 de agosto de 1967 da revista francesa "Paris Match". Teria sido a primeira publicação da foto na Europa, ilustrando a abertura da reportagem de Jean Lartéguy sobre guerrilheiros.
O editor italiano Giangiacomo Feltrinelli, que foi à Bolívia para interceder pela liberação do intelectual francês Régis Debray e imaginou o fim de Che, visitou o estúdio de Korda, saiu de lá com o retrato e, anunciada a morte, imprimiu pôsteres que circularam na Primavera de Praga, nas manifestações de maio de 1968 em Paris e no movimento pelos direitos civis na Irlanda do Norte.
Apropriada inicialmente pela esquerda, a imagem foi aos poucos servindo a outros propósitos. "Nos EUA, ela se tornou muito genérica", afirma Trisha. "Ela é usada com freqüência mais como idéia de rejeição do que de mudança e se inseriu de tal forma na cultura de massa que perdeu seu parentesco com Che."
Bebês vestem camisetas com a imagem, lembra ela, bem como "pessoas que nunca apoiariam o legado ideológico de Che". "Há uma distinção clara. Nos EUA, existe a cultura de transformar tudo em mercadoria. Na América Latina, não é bem esse o caso."
Intervenção do brasileiro Vik Muniz sobre o retrato integra a mostra, que ajuda a entender como mudou o tratamento de créditos e direitos fotográficos. "Essa cultura ainda não existia em 1967, especialmente entre a esquerda", diz Trisha. "Isso valia também para Cuba, que hoje reconhece os acordos internacionais de copyright. Agora, a imagem é monitorada pelos herdeiros de Korda, mas ainda assim é constantemente usada sem permissão."


Texto Anterior: Soy Cuba - Artes plásticas: Mostra reúne produção cubana do século 20
Próximo Texto: Sagrado e profano: Havana recebe fotos de Mapplethorpe
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.