São Paulo, sábado, 30 de janeiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Crítica/""Desilusões de um Americano"

Thriller aparente atrai pela construção de personagens

Terceiro romance da americana Siri Hustvedt une psicanálise e neurociências

RODRIGO LACERDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Desilusões de um Americano" é o terceiro romance de Siri Hustvedt a sair no Brasil. Embora o nome da autora seja sempre acompanhado pelo epíteto "a mulher do Paul Auster", o escritor americano com quem é casada, Siri possui méritos próprios, como prova este novo lançamento.
A gênese do livro se deu com a morte do pai da escritora, que lhe deixou um diário repleto de histórias da família de origem norueguesa, imigrada para os EUA. Neste diário, seu pai conta como, já em seu novo país, enfrentou a Depressão dos anos 30, e recupera suas experiências, mais tarde, como soldado na Segunda Guerra.
A morte do pai colocou Siri diante de outra experiência mobilizadora, também importante na concepção do romance. Numa cerimônia em homenagem ao pai, ela foi acometida por tremores pelo corpo, descobrindo-se vítima de uma crônica doença neurológica.
"Desilusões de um Americano" tem dois narradores. Um é Lars Davidsen, que, ao morrer, deixa para os filhos, Eric e Inga, um diário completo de sua vida.
Este diário "ficcional" é, em grande parte, uma transcrição do diário deixado pelo pai de Siri na vida real. O outro é justamente o filho de Lars, o psiquiatra Eric Davidsen, o "americano desiludido" do título.
O romance se estrutura a partir de três mistérios. O primeiro diz respeito a determinada passagem do diário de Lars, que menciona sua cumplicidade com uma antiga amiga de juventude, Lisa Odland, no acobertamento da morte de alguém. Eric e sua irmã sentem-se instigados a descobrir quem morreu e por que o pai ajudou a encobrir a morte.
O segundo mistério diz respeito à própria irmã, Inga, alter ego de Siri no livro, pois sofre da mesma doença neurológica que ela e foi casada com um célebre escritor e roteirista, chamado Max. O falecido esposo de Inga, pai de sua filha Sônia, antes de morrer enviou cartas comprometedoras à atriz de um de seus filmes, Edie Bly. O conteúdo das cartas, a verdadeira natureza da relação entre Max e Edie e a luta de Inga por aceitar os segredos e a fama opressiva do marido compõem o segundo eixo do romance.
O terceiro fio condutor diz respeito à inquilina de Eric, a jovem e bela jamaicana Miranda, que se muda com a filha para o prédio do narrador e torna-se sua amiga. Um clima romântico se estabelece entre eles.
Mas então macabras fotografias dela e da filha começam a surgir na entrada do prédio. Miranda sabe quem é o autor das fotos, mas, apesar de ameaçada, não entrega a identidade do agressor à polícia ou ao senhorio/narrador, e tampouco esclarece que vínculos a impedem de denunciá-lo.
Mesmo impulsionado por tantos "mistérios", trata-se de um thriller apenas aparente. A vinda à tona do passado e as construções emocionais dos personagens são o verdadeiro atrativo do romance. Ao longo da história, há uma interessante interrogação sobre a natureza da memória, dos sonhos e fantasias de cada um, combinando psicanálise, neurociências e bioquímica à sensível observação literária da autora.

RODRIGO LACERDA é escritor, autor de "Outra Vida" (Alfaguara) e "O Fazedor de Velhos" (Cosac Naify), entre outros.


DESILUSÕES DE UM AMERICANO

Autora: Siri Hustvedt
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 49 (368 págs.)
Avaliação: bom




Texto Anterior: Mudança de alguns termos já é consenso
Próximo Texto: Literatura: Nélida Piñon vence prêmio Casa de las Americas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.