São Paulo, sexta, 30 de janeiro de 1998

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Gay Talese observa os hábitos dos cariocas

DAVID DREW ZINGG
em Sampa

"Quem o ama faz você chorar."
Talese pai, em "Unto the Sons"

Você está vendo aquele homem magro e enxuto de 1,80 m, de cabelos grisalhos cobertos por elegante chapéu de palha tropical, em frente ao Copacabana Palace Hotel, observando, com curiosidade, uma partida de futebol de praia?
Ele parece estar muito ocupado olhando, observando, vislumbrando, relanceando, percebendo, acompanhando, assistindo e (quase certamente) tomando notas mentais sobre os curiosos hábitos dos cariocas.
Isso é o que ele faz melhor -observar. O homem é um dos melhores (e mais bem pagos) repórteres do mundo. Seus lábios finos, ossos da face acentuados e nariz aquilino preparam você para ouvir o som italiano de seu nome.
O homem é Gay Talese, frequentemente citado como arquiteto do novo jornalismo. Atualmente, ocupa uma posição no alto de uma pilha dos mais bem-sucedidos escritores de livros de não-ficção da Gringolândia.
Talese chegou ao Rio a bordo de um navio cruzeiro Cunard, o Vistafiord. Estava sofrendo de uma gripe chata e falava com um misto curioso de hesitação e staccato.
Nesta viagem, Talese, 65, vem se ocupando em afinar seus poderes de observação para apreciar a MPB. Em noites separadas, assistiu a shows de Simone e Alcione.
"Pagamos R$ 10 para sentar em cima, no balcão, com as pessoas", disse, "e foi maravilhoso. Ela é como a sogra de todo mundo."
Talese transformou a coleta e reportagem de fatos numa profissão lucrativa. Seu livro de 1969, "The Kingdom and the Power" (O Reino e o Poder), saltou para as listas dos mais vendidos por ser um estudo nu e cru do "The New York Times", onde ele trabalhou (e sofreu) por dez anos como repórter.
Durante sua estadia no "Times", Talese escreveu uma série de reportagens instigantes e inovadoras para a hoje mítica revista "Esquire". Os melhores artigos eram factuais, mas liam-se como contos.
Talese trouxe a essas técnicas supostamente "novas" mais do que a mera fidelidade. Passou três meses pesquisando e editando sua reportagem justamente famosa "Frank Sinatra Has a Cold" (Frank Sinatra Está Resfriado).
Nas palavras de um observador, Gay Talese "simplesmente pensou que a verdadeira escrita é ficção, e não não-ficção".
Em 1980, Talese publicou um estudo nada convencional da sexualidade aberta na sociedade norte-americana, "Thy Neighbor's Wife" (A Mulher do Vizinho). Aplicando seu método de reportagem em profundidade, limpou de sua própria mente uma série de conceitos católicos repressivos, escancarou certos conflitos conjugais e ficou loucamente rico.
A emoção foi intensificada por memórias de seu pai, imigrante italiano nos EUA, que venerava uma velha imagem marrom de São Francisco. "O santo simbolizava a negação do prazer", conta Talese. "Conta-se que, quando era monge, pulava num rio gelado quando alguma moça sedutora ameaçava seu celibato."
"Thy Neighbor's Wife" financiou o gosto de Talese por passar longos períodos pesquisando e escrevendo, enquanto preparava seus livros.
O livro lhe valeu mais de US$ 4 milhões antes de ser publicado, e mais US$ 2,5 milhões quando a United Artists adquiriu seus direitos para o cinema.
O último livro de Talese, "Unto the Sons", levou-o numa busca, que lhe tomou dez anos, pelo rico tesouro das histórias familiares. É uma recordação autobiográfica contundente de sua infância em Ocean City, Nova Jersey.
O livro não pode ser encontrado em português, fato que dispensa comentários sobre a imaginação das editoras brasileiras. Também é uma pena, pois explora os problemas emocionais da assimilação da cultura italiana no Novo Mundo.
Talese nasceu em Ocean City, uma cidade de praia, de população branca e protestante, situada perto de Atlantic City, Nova Jersey. Seu pai nasceu em Maida, na bota da Itália, e trabalhou como alfaiate na cidade de veraneio.
Gay cresceu como o clássico filho de estranho imigrante numa terra estranha. Uma das frases que definem tudo em "Unto the Sons" é dita quanto o autor reflete sobre essa estranheza.
"Será que é de se surpreender que eu, nascido em Ocean City, ainda me visse como 'outsider', um garoto de pele morena numa cidade de cara sardenta?"
Para compreender a rigidez da estrutura social da cidade, basta saber que quando a princesa Grace Kelly levou o príncipe Rainier e suas filhas à praia de Ocean City, foi barrada. A princesa teve de voltar até sua casa e buscar os tíquetes de admissão à praia que havia esquecido de levar.
O sucesso ajudou a suavizar a vida do garoto de pele morena.
"Voltei aqui (para Ocean City) em 1967", disse ele, "antes mesmo de ter um best seller, para comprar uma grande casa em estilo vitoriano para passar os verões e boa parte do inverno -se bem que, em certo sentido, nunca me havia afastado muito dessa cidade maravilhosa, calorosa."
A mulher de Talese, a vivaz Nan Ahearn Talese, acrescenta: "Pintamos a velha casa de vermelho vivo, cor de bombeiro, e, em volta dela, plantamos todas as árvores que conseguimos encontrar. Não é difícil nos achar".
Nan Talese tem o que qualifica como "provavelmente o melhor emprego de Nova York". Ela é publisher de livros, com seu selo próprio na Doubleday. Entre os autores com quem trabalha figuram Margaret Atwood (há 22 anos), Pat Conroy e Pat Ackroyd.
Em Nova York, se alguém falar em Gay Talese de passagem, você provavelmente estará sentado no Elaine's, ponto de encontro informal de escritores dignos de nota.
Se você esteve no centro do Rio há algumas tardes e alguém mencionou o nome de Gay Talese, você com certeza estava tomando chá na Academia Brasileira de Letras. O autor visitante foi recebido com toda cortesia e levado para conhecer o recinto.
Talese ficou impressionado, como bem deveria. "Nova York não tem nada mais belo do que isso em seu mundo dos livros", disse.
Os astros literários locais, como Antonio Olinto e Arnaldo Niskier, provavelmente ficaram devidamente impressionados com o esplendor das roupas de Talese.
O enxuto e grisalho Talese, de aparência elegante, muitas vezes já admitiu se orgulhar de seu senso de estilo e da caída precisa de suas roupas.
A título de desafio pessoal ao El Niño, trouxe ao Rio um guarda-roupa completo de peças leves que considerou apropriadas para o hotel que foi o pano de fundo do filme "Voando para o Rio", com Ginger Rogers e Fred Astaire.
Naturalmente, para quem é filho de um alfaiate de alta categoria, Talese veste ternos brancos conspicuamente belos, feitos para ele por primos italianos seus, a US$ 2.000 cada.



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