|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FORNADA DO MILÊNIO
Sex, lies and audio tape
GERALD THOMAS
em Nova York
Será que esta última década
de sensualidade, de Madonna,
Prince e Howard Stern, deixou
os americanos menos moralistas? Ao que tudo indica, sim.
Maior ainda em publicidade
e repercussão que o "Titanic",
dois "espetáculos" em cartaz
tomaram conta desse país. A
trama dos dois envolve aspectos curiosos da Justiça e da
moral americana. Mas esses
aspectos que, de certa maneira,
são os alicerces dessa sociedade parecem somente interessar
ao público e à mídia como entretenimento, diversão.
O primeiro espetáculo lida
com mais uma tentativa dos
republicanos de querer derrubar Bill Clinton, mas seu diretor, um parlamentar ultraconservador, não está se saindo
muito bem com a interpretação improvisada e brilhante de
seu protagonista, o presidente
americano. Também pudera.
"Sexo só faz bem", dizia o
papa da bioenergética, Willhem Reich, há mais de 30
anos. "Parar de comer carne
também ajuda a sobreviver."
Parece que o falecido Reich
previu uma estranha ligação
entre os escândalos que "abalaram" (mas também divertiram muito) a vida americana
na última semana.
O segundo espetáculo tem como protagonista um verdadeiro "gênio" da mídia: -a "rainha" dos talk shows Oprah
Winfrey, talvez a pessoa mais
popular e influente hoje nos
EUA. Ela está sendo processada pelos criadores de gado do
Texas, por ter dito em seu programa que desconfiava que o
vírus da "vaca louca" já existia aqui. Disse também que
não comeria mais um único
hambúrguer. Pronto. Isso foi o
bastante para que as ações da
carne caíssem 13 pontos na
Bolsa de NY, logo no dia seguinte. Resultado: foi processada em US$ 20 milhões.
Tanto Clinton quanto Oprah
contra-atacam com o glamour
e a naturalidade peculiares
aos melhores atores do mundo.
O presidente, em seu brilhante discurso no Congresso (o
"State of the Union Address"),
praticamente ignorou o presente escândalo e tratou de falar sobre os assuntos reais que
movem uma nação. Foi ovacionado de pé tanto pelo seu
partido quanto pelos inimigos.
Já Oprah Winfrey está capitalizando firme em cima de
seu processo. Tomou as rédeas
do jogo e se mudou (temporariamente) para Amarillo, Texas, onde o julgamento vai
acontecer. E levou consigo toda a sua equipe da televisão
ABC, pois fará seus shows ao
vivo de lá. Quem perde? Evidentemente são os boiadeiros.
Desde que chegou lá, Oprah
já expôs todas as dezenas de
contradições que constituem
seu processo, a começar pela lei
-desconhecida até então-
que protege agricultores e produtores de alimentos perecíveis
de qualquer "blasfêmia" contra seus produtos.
A mera opinião de Oprah
constitui então uma blasfêmia? E as sagradas emendas
constitucionais que garantem,
a qualquer custo, a liberdade
de expressão? Oprah entretém
seus 40 milhões de telespectadores diários com aquilo que
poderia ter passado como um
simples comentário gastronômico e acabou se transformando numa peça seriíssima, colocando em questão os alicerces
dessa sociedade.
Como se isso não fosse espetacular o bastante, Oprah defendeu abertamente o presidente dizendo simplesmente:
"Melhor ele foder as mulheres
do que o país, como todos os
presidentes republicanos".
Na verdade, pelo fato de a
mídia ter se interessado mais
pelas fofocas e especulações envolvendo a ativa vida sexual
do presidente, o verdadeiro perito por trás dessa possível
conspiração está merecendo
pouca atenção. O fato é que
Clinton pode ser processado
por ter cometido um crime gravíssimo, o de ter "obstruído a
Justiça", ao convencer a bruaca Monica Lewinski a mentir,
afirmando, sob juramento,
nunca ter tido relações sexuais
com o presidente.
Como a mídia tem se concentrado em expor a "virilidade"
do líder da nação, toda a publicidade negativa dirigida intencionalmente contra ele se
transformou num estranho fenômeno, o do "heroísmo".
Clinton e a mídia acabaram
por inverter a tática dos seus
agressores republicanos, e o
país constatou, com um enorme prazer, que tem um "verdadeiro homem" no poder. E, assim, a terra que já consagrou
tipos como John Wayne justamente por esses atributos tem
surpreendido as enquêtes. A
popularidade de Clinton nunca esteve tão alta desde que subiu ao poder. Está provado que
os americanos gostam dos vitoriosos e não das vítimas.
O programa de Oprah Winfrey é tão popular por ser um
fórum escolhido pelas maiores
celebridades do planeta quando se quer "revelar" um grande segredo, algo íntimo jamais
dito antes em qualquer outro
programa.
Por exemplo, foi lá que Michael Jackson se explicou
quando foi acusado de molestar sexualmente um menino de
13 anos. Foi lá que a princesa
Diana desabafou, chorou e disse que não aguentava mais a
vida entre a realeza britânica.
Foi lá que Magic Johnson confessor ser HIV positivo.
E foi no programa de Oprah
que Paul McCartney brigou ao
vivo com Yoko Ono, e onde Elton John falou sobre o seu passado dependente da cocaína.
Foi num desses programas que
Oprah falou, rindo, que merecia um juiz mais bonito e que
Clinton merecia "algo melhor"
que as mocréias Paula Jones e
Monica Lewinski.
Quanto à constante perseguição pelos republicanos, acho
que Clinton pode ficar tranquilo. Não conseguiram incriminá-lo no caso Whitewater e
nem conseguiram provar a culpa do presidente na morte do
ex-assessor, Vincent Foster.
Foster se suicidou, e Clinton
deu um desfecho hamletiano
ao caso, citando a frase derradeira da peça, "...o resto é silêncio".
Aos republicanos resta a memória romântica das táticas
de Nixon e Gordon Liddy, em
Watergate. Também aqui, toda a informação levantada para tentar liquidar nosso presidente vitorioso foi conseguida
por meio de telefonemas
"grampeados". Fora isso, não
há nada substancial. Fala-se
de uma possível renúncia ou
de um impeachment com uma
mistura entre euforia e temor.
Qualquer escândalo é um espetáculo. Seu desfecho?
Eu não ficaria surpreso se
Clinton fosse ao programa da
Oprah, desse uma "cantada"
nela e a convidasse pra jantar
num restaurante vegetariano.
Assim, ela estaria livre do seu
hambúrguer, e ele, longe dos
porcos que infernizam a sua
vida.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|