São Paulo, sexta, 30 de janeiro de 1998

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FORNADA DO MILÊNIO
Sex, lies and audio tape

GERALD THOMAS
em Nova York

Será que esta última década de sensualidade, de Madonna, Prince e Howard Stern, deixou os americanos menos moralistas? Ao que tudo indica, sim.
Maior ainda em publicidade e repercussão que o "Titanic", dois "espetáculos" em cartaz tomaram conta desse país. A trama dos dois envolve aspectos curiosos da Justiça e da moral americana. Mas esses aspectos que, de certa maneira, são os alicerces dessa sociedade parecem somente interessar ao público e à mídia como entretenimento, diversão.
O primeiro espetáculo lida com mais uma tentativa dos republicanos de querer derrubar Bill Clinton, mas seu diretor, um parlamentar ultraconservador, não está se saindo muito bem com a interpretação improvisada e brilhante de seu protagonista, o presidente americano. Também pudera.
"Sexo só faz bem", dizia o papa da bioenergética, Willhem Reich, há mais de 30 anos. "Parar de comer carne também ajuda a sobreviver." Parece que o falecido Reich previu uma estranha ligação entre os escândalos que "abalaram" (mas também divertiram muito) a vida americana na última semana.
O segundo espetáculo tem como protagonista um verdadeiro "gênio" da mídia: -a "rainha" dos talk shows Oprah Winfrey, talvez a pessoa mais popular e influente hoje nos EUA. Ela está sendo processada pelos criadores de gado do Texas, por ter dito em seu programa que desconfiava que o vírus da "vaca louca" já existia aqui. Disse também que não comeria mais um único hambúrguer. Pronto. Isso foi o bastante para que as ações da carne caíssem 13 pontos na Bolsa de NY, logo no dia seguinte. Resultado: foi processada em US$ 20 milhões.
Tanto Clinton quanto Oprah contra-atacam com o glamour e a naturalidade peculiares aos melhores atores do mundo.
O presidente, em seu brilhante discurso no Congresso (o "State of the Union Address"), praticamente ignorou o presente escândalo e tratou de falar sobre os assuntos reais que movem uma nação. Foi ovacionado de pé tanto pelo seu partido quanto pelos inimigos.
Já Oprah Winfrey está capitalizando firme em cima de seu processo. Tomou as rédeas do jogo e se mudou (temporariamente) para Amarillo, Texas, onde o julgamento vai acontecer. E levou consigo toda a sua equipe da televisão ABC, pois fará seus shows ao vivo de lá. Quem perde? Evidentemente são os boiadeiros.
Desde que chegou lá, Oprah já expôs todas as dezenas de contradições que constituem seu processo, a começar pela lei -desconhecida até então- que protege agricultores e produtores de alimentos perecíveis de qualquer "blasfêmia" contra seus produtos.
A mera opinião de Oprah constitui então uma blasfêmia? E as sagradas emendas constitucionais que garantem, a qualquer custo, a liberdade de expressão? Oprah entretém seus 40 milhões de telespectadores diários com aquilo que poderia ter passado como um simples comentário gastronômico e acabou se transformando numa peça seriíssima, colocando em questão os alicerces dessa sociedade.
Como se isso não fosse espetacular o bastante, Oprah defendeu abertamente o presidente dizendo simplesmente: "Melhor ele foder as mulheres do que o país, como todos os presidentes republicanos".
Na verdade, pelo fato de a mídia ter se interessado mais pelas fofocas e especulações envolvendo a ativa vida sexual do presidente, o verdadeiro perito por trás dessa possível conspiração está merecendo pouca atenção. O fato é que Clinton pode ser processado por ter cometido um crime gravíssimo, o de ter "obstruído a Justiça", ao convencer a bruaca Monica Lewinski a mentir, afirmando, sob juramento, nunca ter tido relações sexuais com o presidente.
Como a mídia tem se concentrado em expor a "virilidade" do líder da nação, toda a publicidade negativa dirigida intencionalmente contra ele se transformou num estranho fenômeno, o do "heroísmo".
Clinton e a mídia acabaram por inverter a tática dos seus agressores republicanos, e o país constatou, com um enorme prazer, que tem um "verdadeiro homem" no poder. E, assim, a terra que já consagrou tipos como John Wayne justamente por esses atributos tem surpreendido as enquêtes. A popularidade de Clinton nunca esteve tão alta desde que subiu ao poder. Está provado que os americanos gostam dos vitoriosos e não das vítimas.
O programa de Oprah Winfrey é tão popular por ser um fórum escolhido pelas maiores celebridades do planeta quando se quer "revelar" um grande segredo, algo íntimo jamais dito antes em qualquer outro programa.
Por exemplo, foi lá que Michael Jackson se explicou quando foi acusado de molestar sexualmente um menino de 13 anos. Foi lá que a princesa Diana desabafou, chorou e disse que não aguentava mais a vida entre a realeza britânica. Foi lá que Magic Johnson confessor ser HIV positivo.
E foi no programa de Oprah que Paul McCartney brigou ao vivo com Yoko Ono, e onde Elton John falou sobre o seu passado dependente da cocaína. Foi num desses programas que Oprah falou, rindo, que merecia um juiz mais bonito e que Clinton merecia "algo melhor" que as mocréias Paula Jones e Monica Lewinski.
Quanto à constante perseguição pelos republicanos, acho que Clinton pode ficar tranquilo. Não conseguiram incriminá-lo no caso Whitewater e nem conseguiram provar a culpa do presidente na morte do ex-assessor, Vincent Foster. Foster se suicidou, e Clinton deu um desfecho hamletiano ao caso, citando a frase derradeira da peça, "...o resto é silêncio".
Aos republicanos resta a memória romântica das táticas de Nixon e Gordon Liddy, em Watergate. Também aqui, toda a informação levantada para tentar liquidar nosso presidente vitorioso foi conseguida por meio de telefonemas "grampeados". Fora isso, não há nada substancial. Fala-se de uma possível renúncia ou de um impeachment com uma mistura entre euforia e temor. Qualquer escândalo é um espetáculo. Seu desfecho?
Eu não ficaria surpreso se Clinton fosse ao programa da Oprah, desse uma "cantada" nela e a convidasse pra jantar num restaurante vegetariano. Assim, ela estaria livre do seu hambúrguer, e ele, longe dos porcos que infernizam a sua vida.



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