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É TUDO VERDADE
Festival exibe "Primárias" e mais sete filmes do diretor que ajudou a criar uma nova forma de documentário
Robert Drew mostra seu cinema direto em São Paulo
LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Queríamos fazer um filme sobre Kennedy. Um novo tipo de filme no qual teríamos que viver
com ele dia após dia, o dia todo."
A frase, do americano Robert
Drew, sintetiza a essência do cinema direto, estilo de documentário
que ele ajudou a construir a partir
de "Primárias", que o É Tudo
Verdade exibe hoje em São Paulo,
na retrospectiva do cineasta.
Robert Lincoln Drew, 81, piloto
de aviões na Segunda Guerra e repórter da revista "Life" antes de se
tornar diretor e produtor de documentários, conduziu mais de
cem filmes e vídeos ao longo de
sua carreira -oito deles integram
a programação do festival.
"Tenho uma ligação afetiva com
o Brasil. Na guerra, quando estava
na Itália, havia brasileiros na mesma missão", conta. "Três deles foram capturados", relembrou em
entrevista em São Paulo ontem.
Em março de 1960, Drew seguiu
para o Estado de Wisconsin para
acompanhar uma etapa da escolha do candidato do Partido Democrata à eleição presidencial daquele ano. Em campos opostos
estavam o então jovem e desconhecido senador John F. Kennedy
e seu colega Hubert Humphrey.
Para a empreitada, estava munido de uma novidade para a época:
um equipamento de som portátil
sincronizado à câmera que garantiu aos cinegrafistas de Drew a leveza necessária para seguir os
passos de Kennedy e Humphrey.
O equipamento pesava 15 kg e,
segundo ele, foi importante para
que ele conseguisse fazer no mesmo ano "Fora Yanques!", sobre o
levante popular contrário à expulsão de Cuba da OEA. "Houve momentos em que tive que sair correndo de milhares pessoas que
gritavam para mim "fora ianque"."
A câmera presente em tempo
integral no cotidiano dos candidatos capturou imagens dos bastidores de uma corrida eleitoral
americana, cenas até então desconhecidas do público, e mostrou a
vida real por trás dos personagens
políticos.
Com a equipe "infiltrada" entre
os atores do documentário, sem
entrevistas formais ou longas narrativas em off, "Primárias" e seu
cinema direto -a vertente americana do "cinéma vérité", de Jean
Rouch- influenciaram a forma
de registrar o mundo político.
Após "Primárias", Drew ganhou a confiança de Kennedy,
que lhe abriu as portas da Casa
Branca.
"Há maneiras de se criar intimidade com o personagem, no caso,
expliquei a Kennedy o que faria:
filmaria tudo o que ele fizesse durante cinco dias e cinco noites. Ele
nem saberia quando a câmera estaria ligada." O acordo deu certo e
rendeu outros dois filmes, também no festival, "Crise: Por Trás
de um Compromisso Presidencial" e "Faces de Novembro".
"Crise" (1964) aborda a mediação presidencial de um conflito
entre o ministro da Justiça, Robert F. Kennedy, e o governador
do Alabama, George Wallace, que
tentava bloquear a decisão federal
que permitia a entrada de negros
na Universidade do Alabama.
No início do filme, Drew mostra
o começo do dia na casa de Wallace. A filha do governador aguarda
o pai aos cuidados de uma governanta negra. A cena é um forte
exemplo do cinema direto: sem
palavras, traça uma metáfora da
mentalidade segregacionista do
governador, confirmada logo depois por seu próprio discurso.
"Crise" impressiona também
por mostrar a reunião em que
Kennedy discute o impasse, ouve
a opinião de seu irmão-ministro e
reflete -e Drew foca seu rosto e
capta o peso da decisão.
O uso do close é recorrente em
sua obra; já aparecia em "Primárias", para retratar o espírito dos
moradores do meio-oeste americano, e se consolidou em seu filme
seguinte, "Faces de Novembro"
(1964). São 12 minutos do funeral
de Kennedy, sem narração, só
imagens. Bandeiras americanas a
meio pau, árvores desnudadas
pelo outono e rostos, muitos rostos de cidadãos que vão à Casa
Branca homenagear o presidente
assassinado. Retrato preciso de
uma nação enlutada, melancólica.
O cinema direto de Drew não se
restringiu ao documentário político. Em "Na Estrada com Duke
Ellington" (1974), uma de suas incursões pelo mundo artístico, o
documentarista acompanha uma
turnê do jazzista americano. O filme mostra a rotina de Duke fora
do palco e permite compreender
seu processo criativo.
Já "De Dois Homens e uma
Guerra" (2004) é a obra mais recente de Drew, em parceria com
sua mulher, Anne. O tom é autobiográfico, e o cineasta narra sua
experiência como piloto do Exército americano e seu contato com
Ernie Pile, correspondente de
guerra. Aqui, Drew é refém do escasso arquivo de imagens de sua
trajetória contra o Eixo e recorre,
na maior parte do documentário,
a uma reconstituição enfadonha.
Amazônia
O cineasta planeja filmar a vida
da ministra do Meio Ambiente.
"Não gosto de falar sobre coisas
que ainda estou pensando, mas é
verdade que me interesso pela vida de Marina Silva e sua experiência com a floresta amazônica."
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