São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 2005

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É TUDO VERDADE

Festival exibe "Primárias" e mais sete filmes do diretor que ajudou a criar uma nova forma de documentário

Robert Drew mostra seu cinema direto em São Paulo

LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Queríamos fazer um filme sobre Kennedy. Um novo tipo de filme no qual teríamos que viver com ele dia após dia, o dia todo." A frase, do americano Robert Drew, sintetiza a essência do cinema direto, estilo de documentário que ele ajudou a construir a partir de "Primárias", que o É Tudo Verdade exibe hoje em São Paulo, na retrospectiva do cineasta.
Robert Lincoln Drew, 81, piloto de aviões na Segunda Guerra e repórter da revista "Life" antes de se tornar diretor e produtor de documentários, conduziu mais de cem filmes e vídeos ao longo de sua carreira -oito deles integram a programação do festival.
"Tenho uma ligação afetiva com o Brasil. Na guerra, quando estava na Itália, havia brasileiros na mesma missão", conta. "Três deles foram capturados", relembrou em entrevista em São Paulo ontem.
Em março de 1960, Drew seguiu para o Estado de Wisconsin para acompanhar uma etapa da escolha do candidato do Partido Democrata à eleição presidencial daquele ano. Em campos opostos estavam o então jovem e desconhecido senador John F. Kennedy e seu colega Hubert Humphrey.
Para a empreitada, estava munido de uma novidade para a época: um equipamento de som portátil sincronizado à câmera que garantiu aos cinegrafistas de Drew a leveza necessária para seguir os passos de Kennedy e Humphrey.
O equipamento pesava 15 kg e, segundo ele, foi importante para que ele conseguisse fazer no mesmo ano "Fora Yanques!", sobre o levante popular contrário à expulsão de Cuba da OEA. "Houve momentos em que tive que sair correndo de milhares pessoas que gritavam para mim "fora ianque"."
A câmera presente em tempo integral no cotidiano dos candidatos capturou imagens dos bastidores de uma corrida eleitoral americana, cenas até então desconhecidas do público, e mostrou a vida real por trás dos personagens políticos.
Com a equipe "infiltrada" entre os atores do documentário, sem entrevistas formais ou longas narrativas em off, "Primárias" e seu cinema direto -a vertente americana do "cinéma vérité", de Jean Rouch- influenciaram a forma de registrar o mundo político.
Após "Primárias", Drew ganhou a confiança de Kennedy, que lhe abriu as portas da Casa Branca.
"Há maneiras de se criar intimidade com o personagem, no caso, expliquei a Kennedy o que faria: filmaria tudo o que ele fizesse durante cinco dias e cinco noites. Ele nem saberia quando a câmera estaria ligada." O acordo deu certo e rendeu outros dois filmes, também no festival, "Crise: Por Trás de um Compromisso Presidencial" e "Faces de Novembro".
"Crise" (1964) aborda a mediação presidencial de um conflito entre o ministro da Justiça, Robert F. Kennedy, e o governador do Alabama, George Wallace, que tentava bloquear a decisão federal que permitia a entrada de negros na Universidade do Alabama.
No início do filme, Drew mostra o começo do dia na casa de Wallace. A filha do governador aguarda o pai aos cuidados de uma governanta negra. A cena é um forte exemplo do cinema direto: sem palavras, traça uma metáfora da mentalidade segregacionista do governador, confirmada logo depois por seu próprio discurso.
"Crise" impressiona também por mostrar a reunião em que Kennedy discute o impasse, ouve a opinião de seu irmão-ministro e reflete -e Drew foca seu rosto e capta o peso da decisão.
O uso do close é recorrente em sua obra; já aparecia em "Primárias", para retratar o espírito dos moradores do meio-oeste americano, e se consolidou em seu filme seguinte, "Faces de Novembro" (1964). São 12 minutos do funeral de Kennedy, sem narração, só imagens. Bandeiras americanas a meio pau, árvores desnudadas pelo outono e rostos, muitos rostos de cidadãos que vão à Casa Branca homenagear o presidente assassinado. Retrato preciso de uma nação enlutada, melancólica.
O cinema direto de Drew não se restringiu ao documentário político. Em "Na Estrada com Duke Ellington" (1974), uma de suas incursões pelo mundo artístico, o documentarista acompanha uma turnê do jazzista americano. O filme mostra a rotina de Duke fora do palco e permite compreender seu processo criativo.
Já "De Dois Homens e uma Guerra" (2004) é a obra mais recente de Drew, em parceria com sua mulher, Anne. O tom é autobiográfico, e o cineasta narra sua experiência como piloto do Exército americano e seu contato com Ernie Pile, correspondente de guerra. Aqui, Drew é refém do escasso arquivo de imagens de sua trajetória contra o Eixo e recorre, na maior parte do documentário, a uma reconstituição enfadonha.

Amazônia
O cineasta planeja filmar a vida da ministra do Meio Ambiente. "Não gosto de falar sobre coisas que ainda estou pensando, mas é verdade que me interesso pela vida de Marina Silva e sua experiência com a floresta amazônica."


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