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NINA HORTA
Comendo às escondidas
Comecei a assinar as revistas
domésticas americanas lá
pelo fim dos anos 50. Cada uma
delas trazia, mensalmente, religiosamente, duas dietas de emagrecimento. Vem de longe, ou
vem daí, esta história!
Simpatizo mais com a dieta do
slow food, que faz a campanha de
uma comida inteligente e indulgente e os objetivos não são os
narcisísticos de peso e beleza magra. E se você comer e se sentir
culpado, não é culpa percebida e
sentida na balança, não se relaciona com o corpo nem com a mente, mas com uma atitude sua, um
posicionamento, uma consciência em relação à convivência, à herança cultural, aos animais, ao
meio ambiente. Já se diz que para
acabar com o mito da magreza teria que haver uma campanha coletiva de anos e anos, até uma revolução com muitos feridos magros e gordos espalhados pelo
chão, guerra, uma decisão política, de tudo um pouco.
E pressionados diante dessa comida assassina que engorda, imediatamente desobedecemos à dieta. Numa boa, e já faz tempo!
Em inglês essa desobediência
tem um nome, "binge", farra,
pândega, mas teríamos que inventar outro que só servisse para
este ato de comer escondido nas
"tinieblas de mi soledad". Poderá
ser bingo??? Com CPI e tudo.
O gorducho que levava para o
spa um jipe que deixava a meio
quilômetro. Convidava os amigos
para uma caminhada e, bingo!, na
cantina da cidade, com muita cerveja e risadaria.
Principalmente nos spas. Todo
mundo que já foi a um tem sua
história a contar. No Guarujá éramos guardados por menina loira
magra e bonita que supervisionava a ginástica, era nossa personal
trainer. Sempre na nossa cola. Comecei a desconfiar que na verdade nos supervisonava para evitar
os "binges", pois o spa fazia parte
do hotel, onde se convivia com
muita comida e outros hóspedes.
Uma noite sentou-se ao nosso lado numa lanchonete bem juntinho à vitrine de doces, reluzentes
quindins, macios brigadeiros. E
aconteceu o que poderia haver de
pior. Ela entrou num "binge" tarado, foi pedindo e foi comendo
em frente dos embasbacados gorduchos. Mandaram a pobre magrela embora, sem apelo.
Muita gente faz do bingo! um ritual. Vai ao supermercado, compra duas latinhas de batatas Pringles, se tranca no banheiro e na
banheira de água quente vai comendo uma por uma, enrolando
na língua até acabar todas sem
oferecer a ninguém, jamais. Estragaria a graça uma latinha já desvirginada. Uma americana descreve o seu pacote. Três iogurtes
com sabor de fruta, dois sanduíches de manteiga de amendoim e
geléia de morango, dois pedaços
de bolo comprado pronto com
glacê de açúcar e uma caixinha de
passas. Tudo comido numa certa
ordem sagrada. E as esbórnias de
chocolate belga?
Uma amiga se hospedou comigo e me dava o maior trabalho
com um regime espartanos, de folhas e bifes no tempo em que a
verdura no Rio era escassa e difícil
de achar fresca. Durante o dia,
comportava-se como manda o figurino. Uma noite escutei passos,
fui atrás e lá estava ela na geladeira
comendo sanduíche de feijão frio
com pão dormido.
De compulsão de celebridades
me lembro do Elvis rapaz, love me
tender, tão lindo, chegando à Casa Branca para oferecer seus préstimos de espião ao Nixon. Para se
disfarçar, foi vestido de veludo
amassado vermelho e chapéu
combinando. No hotel, no café da
manhã, pediu um sundae com
calda de chocolate quente. Tomou tudo e pediu mais um. Mais
um, um quarto e um quinto. E
caiu desmaiado.
Todo mundo suspeita que enquanto as dietas estiverem ligadas
ao culto ao corpo, às carências
afetivas, ao medo de morrer, sem
levar em conta outros aspectos
importantes, o resultado será um
número cada vez maior de bingos!, de excessos, de engorda-emagrece. É preciso equacionar
melhor o problema. Enquanto isso, se me dão licença, vou a umas
bananinhas-ouro cheias de potássio e cálcio que eliminam as câimbras. Estão vendo? Comer para
eliminar câimbra, ou é mentira ou
assim não dá.
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