São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 2006

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NINA HORTA

Comendo às escondidas

Comecei a assinar as revistas domésticas americanas lá pelo fim dos anos 50. Cada uma delas trazia, mensalmente, religiosamente, duas dietas de emagrecimento. Vem de longe, ou vem daí, esta história!
Simpatizo mais com a dieta do slow food, que faz a campanha de uma comida inteligente e indulgente e os objetivos não são os narcisísticos de peso e beleza magra. E se você comer e se sentir culpado, não é culpa percebida e sentida na balança, não se relaciona com o corpo nem com a mente, mas com uma atitude sua, um posicionamento, uma consciência em relação à convivência, à herança cultural, aos animais, ao meio ambiente. Já se diz que para acabar com o mito da magreza teria que haver uma campanha coletiva de anos e anos, até uma revolução com muitos feridos magros e gordos espalhados pelo chão, guerra, uma decisão política, de tudo um pouco.
E pressionados diante dessa comida assassina que engorda, imediatamente desobedecemos à dieta. Numa boa, e já faz tempo!
Em inglês essa desobediência tem um nome, "binge", farra, pândega, mas teríamos que inventar outro que só servisse para este ato de comer escondido nas "tinieblas de mi soledad". Poderá ser bingo??? Com CPI e tudo.
O gorducho que levava para o spa um jipe que deixava a meio quilômetro. Convidava os amigos para uma caminhada e, bingo!, na cantina da cidade, com muita cerveja e risadaria.
Principalmente nos spas. Todo mundo que já foi a um tem sua história a contar. No Guarujá éramos guardados por menina loira magra e bonita que supervisionava a ginástica, era nossa personal trainer. Sempre na nossa cola. Comecei a desconfiar que na verdade nos supervisonava para evitar os "binges", pois o spa fazia parte do hotel, onde se convivia com muita comida e outros hóspedes. Uma noite sentou-se ao nosso lado numa lanchonete bem juntinho à vitrine de doces, reluzentes quindins, macios brigadeiros. E aconteceu o que poderia haver de pior. Ela entrou num "binge" tarado, foi pedindo e foi comendo em frente dos embasbacados gorduchos. Mandaram a pobre magrela embora, sem apelo.
Muita gente faz do bingo! um ritual. Vai ao supermercado, compra duas latinhas de batatas Pringles, se tranca no banheiro e na banheira de água quente vai comendo uma por uma, enrolando na língua até acabar todas sem oferecer a ninguém, jamais. Estragaria a graça uma latinha já desvirginada. Uma americana descreve o seu pacote. Três iogurtes com sabor de fruta, dois sanduíches de manteiga de amendoim e geléia de morango, dois pedaços de bolo comprado pronto com glacê de açúcar e uma caixinha de passas. Tudo comido numa certa ordem sagrada. E as esbórnias de chocolate belga?
Uma amiga se hospedou comigo e me dava o maior trabalho com um regime espartanos, de folhas e bifes no tempo em que a verdura no Rio era escassa e difícil de achar fresca. Durante o dia, comportava-se como manda o figurino. Uma noite escutei passos, fui atrás e lá estava ela na geladeira comendo sanduíche de feijão frio com pão dormido.
De compulsão de celebridades me lembro do Elvis rapaz, love me tender, tão lindo, chegando à Casa Branca para oferecer seus préstimos de espião ao Nixon. Para se disfarçar, foi vestido de veludo amassado vermelho e chapéu combinando. No hotel, no café da manhã, pediu um sundae com calda de chocolate quente. Tomou tudo e pediu mais um. Mais um, um quarto e um quinto. E caiu desmaiado.
Todo mundo suspeita que enquanto as dietas estiverem ligadas ao culto ao corpo, às carências afetivas, ao medo de morrer, sem levar em conta outros aspectos importantes, o resultado será um número cada vez maior de bingos!, de excessos, de engorda-emagrece. É preciso equacionar melhor o problema. Enquanto isso, se me dão licença, vou a umas bananinhas-ouro cheias de potássio e cálcio que eliminam as câimbras. Estão vendo? Comer para eliminar câimbra, ou é mentira ou assim não dá.


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