São Paulo, sexta-feira, 30 de março de 2007

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CARLOS HEITOR CONY

Redundância e chatice

A redundância dos formadores de opinião é vista em prognósticos que pouco variam

TENHO UM amigo, o Artur da Távola, que durante anos manteve uma coluna diária sobre televisão, muito lida por sinal, não era informativa, mas opinativa, comentava o que hoje chamam de "conteúdo", desprezando o dia-a-dia das fofocas, quem estava dando para quem, quem ia dar para dar quem etc.
Eu admirava a sua onisciência sobre as novelas em exibição, nunca menos de três, nos vários canais das TVs abertas de então. Tinha a impressão de que ele acompanhava todos os capítulos de todas elas.
Um dia, perguntei-lhe se ele assistia a uma e gravava as outras para assistir depois, quando tivesse tempo para isso. Não, não tinha tempo, além de jornalista, era político, chegou a senador. Mas explicou como dava conta do recado. Em média, uma vez por semana assistia a um capítulo da novela tal e assim ficava atualizado não apenas com as tramas mas com os desempenhos.
Do Távola e das novelas passo para mim mesmo e para a paisagem geral do nosso tempo, que inclui uma variedade espantosa de tramas e desempenhos tanto no setor nacional como no internacional. Um problema de saúde que se agravou de repente impediu-me, durante mais de três meses, de ler jornais e revistas, ver noticiários da TV; fiquei completamente por fora, embora nunca tenha estado muito por dentro de nada, por falta de tempo e de interesse.
Quando retornei à atividade, por Júpiter!, nada havia mudado. O presidente da República era Lula tentando se reeleger. Três meses depois, era Lula já reeleito. A guerra civil no Iraque continuava, com Bush mandando mais soldados para lá. Os ministros, que antes pareciam provisórios, continuavam provisórios até a semana passada. A violência urbana, mortos e feridos, as balas perdidas, as taxas do crescimento nacional, o volume das exportações, o papa repetindo o que a igreja diz há 20 séculos, os novos caminhos das diversas bandas em atividade, mais uma vitória da Beija-Flor no Carnaval, a polêmica sobre a necessidade de penas mais severas para crimes hediondos e os próprios crimes hediondos -tudo parecia o mesmo.
Lembrei lá em cima o Artur da Távola e lembro agora o finado Rubem Braga, cronista maior de nossa imprensa. Ele passou uns meses fora do Brasil e, quando voltou, a única novidade que encontrou foi o cigarro Hollywood com filtro. Na minha volta, nem isso encontrei; pelo contrário, encontrei menos cigarros com ou sem filtro, eu próprio deixei de fumar -o que pelo menos foi uma novidade no plano pessoal.
Mesmo assim, por necessidade profissional, voltei a ler jornais e a ver noticiários, mesmo sabendo que as coisas continuavam mais ou menos as mesmas. As mudanças são pontuais, caras substituídas por outras, mas os discursos são os mesmos, os veículos da mídia acabam redundantes, não por gosto ou incapacidade técnica, mas para serem fiéis ao que está acontecendo, que na realidade é a mesma coisa que aconteceu antes e acontecerá depois.
Se nas novelas há sempre o filho que não é filho daquela mãe, se há o pai que não sabe ser o pai, se há herança para ser disputada e segredos que não serão revelados, na vida real as coisas podem não ser iguais, mas se repetem com uma monotonia que, além da redundância, caem na chatice institucional.
De várias formas e estilos, lê-se que o Brasil não tem jeito, somente aqui acontecem essas coisas, a classe política é despreparada, a corrupção é premiada e esquecida, o Caetano Veloso acha isso, um dossiê está sendo preparado para botar o Maluf outra vez na cadeia, Romário está em busca de seu milésimo gol.
A redundância se estende aos formadores de opinião, que se manifesta em análises e prognósticos que pouco variam. Outro dia, um aluno de comunicação colocou um grave e impossível problema para mim. Se eu fosse dono de um jornal e tivesse de dar uma manchete na capa, qual seria esta manchete? A cura do câncer? A paz universal? Elvis Presley não morreu? Foram encontrados os ossos de Dana de Teffé?
Meditei bastante antes de dar a resposta. A hipótese - ser dono de um jornal- era mais do que improvável. Mas o desafio fora lançado e eu saí com esta novidade: "O Titanic acaba de afundar".


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