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Crítica
"Vida de Menina" nos reensina a ver
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Há dias na televisão Nelson
Brissac Peixoto comentava o
fato de que as crianças desconhecem a geografia de suas cidades. Limitam-se a deslocar-se de um ponto a outro no carro
dos pais.
A protagonista de "Vida de
Menina" (Canal Brasil,
18h30), ao contrário, conhece
sua cidade como a palma da
mão. Concedamos: está no interior de Minas, num lugar onde o ouro jorrava no passado.
O que é importante: ela tira
desse pequeno universo todas
as conseqüências possíveis. O
roubo de uma galinha é quase
uma questão de vida ou morte.
A localização de um túmulo
equivale à de uma alma. Os loucos de lá, um encantamento.
A jovem Helena está na situação oposta à dos garotos de
Brissac: ela parece capaz de explorar e tirar proveito existencial de cada metro quadrado ao
seu redor. Seu espaço é físico,
enquanto o dos meninos da cidade tornou-se cada vez mais
abstrato. Ele é experimentado
numa agenda telefônica, no
computador, na TV.
É possível que o encanto do
filme de Helena Solberg venha,
em parte, daí: do encontro que
nos proporciona com as coisas
que estão ainda em estado de
coisas, isto é, de significantes
ainda não nomeados, objetos
captados em estado bruto.
Talvez seja esta uma das funções mais pertinentes do cinema: nos reensinar a ver. Nos
forçar a ver as coisas como coisas, tirando camadas de cultura
ou preconceitos que imperceptivelmente se depositam.
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