São Paulo, segunda-feira, 30 de março de 2009

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Irregular, Curitiba tem organização falha

Festival de teatro completa 18 anos com edição que mistura peças de excelência a propostas equivocadas

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

O Festival de Curitiba, encerrado ontem, completou 18 anos como qualquer um nessa idade: cheio de ideias -algumas interessantes-, mas ainda sem foco para articulá-las a contento, e dado a lances de imaturidade. Assim, numa grade de programação com quase 320 espetáculos, a excelência de "Inveja dos Anjos", na Mostra Contemporânea, e de "Árvores Abatidas ou para Luís Melo", no Fringe (mostra paralela), conviveu com títulos desprovidos de ambições artísticas -ou dotados de propostas francamente equivocadas. Essa irregularidade torna difícil desenhar uma identidade para o festival que vá além do pouco informativo "vitrine da produção contemporânea brasileira" a que a divulgação do evento costuma recorrer.
A tal vitrine ficou estilhaçada com o cancelamento da estreia nacional de "Rock'n'Roll", texto de Tom Stoppard inédito no teatro brasileiro. A peça foi a primeira a ter sua lotação esgotada quando começou a venda de ingressos, o que dá uma boa medida da expectativa que a cercava.
A produção do espetáculo, que tomou a decisão de suspender as apresentações, alegou que, por conta da ocupação do teatro por outra peça, faltaria tempo para montar cenários e realizar os ensaios finais. O diretor geral do festival, Leandro Knopfholz, reconhece a falha, mas diz que a situação "foi agravada por questões emocionais". "Se todo mundo estivesse com a cabeça fria, dava para ter estreado no domingo." O Ministério Público Estadual chegou a convocar a organização do festival para uma audiência a fim de saber como seria ressarcido quem havia comprado ingresso.

Espaços inadequados
A inadequação de determinados palcos aos espetáculos que acolheram representou outro problema desta edição. Os relatos intimistas de "Por Um Fio", sobre as mudanças causadas em pacientes pela proximidade da morte, ficaram quase inaudíveis no amplo Teatro da Reitoria. Na mesma sala, a bela cenografia de "Inveja dos Anjos", atravessada pelos trilhos de uma linha de trem e não concebida para um teatro tradicional (caso da Reitoria), teve de ser "compactada", e os atores ficaram mais distantes do público do que no espaço em que a peça cumpre temporada, no Rio.
O que não impediu esse álbum de vidas em suspenso, à espera dos personagens e reviravoltas que o trem do tempo (não) trará, de causar forte impacto em Curitiba. Por sinal, a galeria de tipos que se abandonam aos ziguezagues do acaso ou aos redemoinhos da memória rendeu ao festival alguns de seus melhores momentos. É esse o fio condutor de trabalhos como os paulistas "Zoológico de Vidro" e "A Mulher que Ri", o carioca "Memória Afetiva de um Amor Esquecido" e o cearense "Lesados", do Grupo Bagaceira, que reveste sua estética de quadrinhos com inquietações existencialistas, sem abrir mão do humor.
Uma tendência confirmada pelos títulos escalados no festival é a do fortalecimento da dramaturgia monológica, em que, despindo a máscara dos personagens, os atores antecipam ao público as ações encenadas na sequência. Nesse formato, pautado por um tom de depoimento, confessional, os diálogos têm papel acessório.
A próxima edição do festival acontecerá de 16 a 28 de março de 2010. Para ela, Knopfholz pretende fechar coproduções com instituições como Sesc e CCBB, além de estimular a presença de grupos estáveis de universidades para incrementar o Fringe. Ampliar o escopo geográfico da Mostra Contemporânea também está nos planos -neste ano, só quatro dos 29 espetáculos eram de fora do eixo Rio-SP-Minas. É hora de crescer.



O jornalista LUCAS NEVES está hospedado a convite do festival
Colaboraram LENISE PINHEIRO e LUIZ FERNANDO RAMOS, enviados especiais a Curitiba




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