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Irregular, Curitiba tem organização falha
Festival de teatro completa 18 anos com edição que mistura peças de excelência a propostas equivocadas
LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
O Festival de Curitiba, encerrado ontem, completou 18 anos
como qualquer um nessa idade:
cheio de ideias -algumas interessantes-, mas ainda sem foco para articulá-las a contento,
e dado a lances de imaturidade.
Assim, numa grade de programação com quase 320 espetáculos, a excelência de "Inveja
dos Anjos", na Mostra Contemporânea, e de "Árvores Abatidas ou para Luís Melo", no
Fringe (mostra paralela), conviveu com títulos desprovidos
de ambições artísticas -ou dotados de propostas francamente equivocadas.
Essa irregularidade torna difícil desenhar uma identidade
para o festival que vá além do
pouco informativo "vitrine da
produção contemporânea brasileira" a que a divulgação do
evento costuma recorrer.
A tal vitrine ficou estilhaçada
com o cancelamento da estreia
nacional de "Rock'n'Roll", texto de Tom Stoppard inédito no
teatro brasileiro. A peça foi a
primeira a ter sua lotação esgotada quando começou a venda
de ingressos, o que dá uma boa
medida da expectativa que a
cercava.
A produção do espetáculo,
que tomou a decisão de suspender as apresentações, alegou
que, por conta da ocupação do
teatro por outra peça, faltaria
tempo para montar cenários e
realizar os ensaios finais. O diretor geral do festival, Leandro
Knopfholz, reconhece a falha,
mas diz que a situação "foi
agravada por questões emocionais". "Se todo mundo estivesse
com a cabeça fria, dava para ter
estreado no domingo."
O Ministério Público Estadual chegou a convocar a organização do festival para uma
audiência a fim de saber como
seria ressarcido quem havia
comprado ingresso.
Espaços inadequados
A inadequação de determinados palcos aos espetáculos
que acolheram representou outro problema desta edição.
Os relatos intimistas de "Por
Um Fio", sobre as mudanças
causadas em pacientes pela
proximidade da morte, ficaram
quase inaudíveis no amplo Teatro da Reitoria.
Na mesma sala, a bela cenografia de "Inveja dos Anjos",
atravessada pelos trilhos de
uma linha de trem e não concebida para um teatro tradicional
(caso da Reitoria), teve de ser
"compactada", e os atores ficaram mais distantes do público
do que no espaço em que a peça
cumpre temporada, no Rio.
O que não impediu esse álbum de vidas em suspenso, à
espera dos personagens e reviravoltas que o trem do tempo
(não) trará, de causar forte impacto em Curitiba.
Por sinal, a galeria de tipos
que se abandonam aos ziguezagues do acaso ou aos redemoinhos da memória rendeu ao
festival alguns de seus melhores momentos.
É esse o fio condutor de trabalhos como os paulistas "Zoológico de Vidro" e "A Mulher
que Ri", o carioca "Memória
Afetiva de um Amor Esquecido" e o cearense "Lesados", do
Grupo Bagaceira, que reveste
sua estética de quadrinhos com
inquietações existencialistas,
sem abrir mão do humor.
Uma tendência confirmada
pelos títulos escalados no festival é a do fortalecimento da
dramaturgia monológica, em
que, despindo a máscara dos
personagens, os atores antecipam ao público as ações encenadas na sequência. Nesse formato, pautado por um tom de
depoimento, confessional, os
diálogos têm papel acessório.
A próxima edição do festival
acontecerá de 16 a 28 de março
de 2010. Para ela, Knopfholz
pretende fechar coproduções
com instituições como Sesc e
CCBB, além de estimular a presença de grupos estáveis de
universidades para incrementar o Fringe. Ampliar o escopo
geográfico da Mostra Contemporânea também está nos planos -neste ano, só quatro dos
29 espetáculos eram de fora do
eixo Rio-SP-Minas. É hora de
crescer.
O jornalista LUCAS NEVES está hospedado a
convite do festival
Colaboraram LENISE PINHEIRO e LUIZ FERNANDO RAMOS, enviados especiais a Curitiba
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