São Paulo, Terça-feira, 30 de Março de 1999
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DISCO - LANÇAMENTOS
Zoli chega ao "romântico sem dor-de-cotovelo"

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

O guitarrista carioca Claudio Zoli, 38, poderia cerrar fileiras com os artistas malditos -caso de Jorge Mautner, Jards Macalé, Itamar Assumpção- se houvesse alguma afinidade poética entre eles. A afinidade que há, esta sim, é a quase impossibilidade de vender discos, além da dificuldade em gravá-los: foram quatro em 12 anos.
Desde sua aparição (comercial) com o grupo Brylho -e o estouro de "Noite do Prazer", aquela do verso "trocando de biquíni sem parar", digo, "tocando B.B. King sem parar"-, ele fez três discos por grandes gravadoras sem nenhuma repercussão. Chega agora a "Férias", o quarto, da Trama.
Mais do que nunca, Zoli se apoiou no trabalho dos produtores (Bôscoli e Max de Castro), que encheram o disco de rimas de rap, loops e timbres.
Grande guitarrista, Zoli está ficando sozinho no panteão do soul brasileiro. Tim Maia já era, Cassiano -com quem iniciou a carreira- e Hyldon estão em exílio voluntário. Isso o fez "pensar de que maneira continuar compondo." Chegou ao formato "romântico sem dor-de-cotovelo" com a ajuda de Bernardo Vilhena, presente em nove das dez faixas do CD.
Zoli acha que consegue se mostrar por inteiro em "Férias" -"guitarrista, cantor e compositor"-, mas reconhece as evidentes influências do alheio que jogou no disco -George Benson no vocalizar, acompanhando as notas da guitarra, e Maxwell no uso de atmosferas pornô-soft.
"Decidi assumir o Benson, que usava desde o Brylho, mas é uma pegada diferente, sou mais blues".
Mas "Férias" não é só influências. Os versos de rap e a presença de um DJ "atualizaram" Zoli.
O artista vê ligações do soul com a bossa nova, e acredita ter jogado "elementos brazucas" em seu trabalho. "Comecei ouvindo Tim Maia e Cassiano para depois chegar em João Gilberto. Digo que Tim fazia uma bossa nova soul, suas melodias têm acordes parecidos com as da bossa nova. E o meu forte também é a melodia, a canção. Numa das novas músicas, "Vida, Viração", uso muito pandeiro. Não chega a ser um samba, mas a música pode facilmente se tornar um samba no show. É preciso tomar cuidado quando a gente ouve muita música black americana, sem querer copiamos."
Esforçando-se em não parecer imodesto, Zoli se diz à frente de seu tempo. "Sempre acontecia isso com meus discos. Os executivos das gravadoras achavam meu trabalho muito americanizado, não me contratavam. Acho que fazia um pop moderno demais, que ninguém entendia. Na época do Brylho, ninguém falava em reggae, e "Noite do Prazer" é meio reggae."
Curiosamente, quando conheceu o sucesso, com o Brylho, Zoli não segurou, e a banda não cravou um segundo disco. "Perdemos a direção, e rolou uma divergência entre nós."
A garrafa volta a girar, e Zoli reclama de seu ostracismo não-voluntário. "Vivo num país de inversão de valores. Vejo músicos na TV que não sabem tocar uma nota no violão e ainda cantam desafinado. O público não sabe disso, a mídia estoura o que ela quer, e o público se identifica com o que ouve."


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