São Paulo, Terça-feira, 30 de Março de 1999
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Alfaiate troca agulha pelo samba

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Aconteceu com Cartola em meados dos anos 60 e se repete agora: o histórico sambista carioca Walter Alfaiate só em 1999, aos 68 anos -"meia ponto oito", em seu dizer, "para ficar mais suave"-, lança seu CD de estréia. Chama-se "Olha Aí" e sai pelo selo independente Alma, de Marco Aurélio Braga Néri e do também compositor Aldir Blanc.
O nome artístico do cantor e compositor nascido em Botafogo denuncia um traço curioso de sua trajetória: não podendo viver de samba, Walter fez da alfaiataria sua fonte de renda, que mantém até hoje.
"Sempre fui sambista, desde os 14 anos. Sempre saí nos blocos, fui dono de bloco em Botafogo. Fiz a primeira letra aos 14 anos, mas era "boi com abóbora", simples, sem pretensão. E sempre fui alfaiate também, desde menino", ele conta, levando adiante a dupla personalidade.
Não demonstra ressentimento pela demora em consumar a segunda profissão em disco. "Toda profissão é assim. Não conseguir chegar lá se deve ao Deus maior. Se todo mundo que tem valor conseguisse, teria muita gente na parada."
O que pensa, então, da "estréia" tardia? "É o destino mesmo. Tinha que ser agora, ou poderia nem ter acontecido. Vi jogadores batendo muito mais bola que Pelé, e nunca chegaram lá. E, também, hoje está mais fácil gravar. Até a Tiazinha está gravando..."

Carreira
Compositor bissexto, emergiu de linhas e agulhas por causa do interesse de outros sambistas do Rio, como Elza Soares -segundo ele, a primeira a gravar uma canção sua, "Sorri de Mim"-, Paulinho da Viola (seu maior divulgador), João Nogueira e Cristina Buarque.
Como numa homenagem retroativa, Walter reúne, num medley em "Olha Aí", sambas de sua autoria que Paulinho gravou, "Cuidado, Teu Orgulho Ainda Te Mata" (em 71), "Coração Oprimido" (79) e "A.M.O.R. Amor" (83).
"Ele é um dos culpados pelo meu entrosamento no samba. Nasceu em Botafogo, me conhece, me via atuando nos blocos. Sempre deu declarações me elogiando, gravou os sambas", agradece.
Na carreira de intérprete, foicrooner em gafieiras e formou vários conjuntos de samba ao longo dos anos.
Cantando num disco inteiro pela primeira vez, Walter deixa claras suas influências: "Meu samba é o sincopado, tipo o de Ciro Monteiro, Roberto Silva, Geraldo Pereira. Como cantor, é Ciro Monteiro quem me inspira".
Especialista em elegância nos ternos que faz, responde se a elegância acabou no samba, em suas novas gerações: "Não, não acabou. Ainda há bom gosto. Claro que alguns exageram...".
Da alfaiataria, não se aposentou até agora. "Continuo com meu ateliê em Copacabana, todo dia, das 9h às 19h." Sábados e domingos? "Negativo, que é isso?"
"Hoje em dia tenho pouquíssimo público", continua. "É uma profissão em extinção. Tem mês que não faço nenhuma peça, só conserto para sobreviver. Eu gostaria de parar, não tenha dúvida. Estou saturado, embora goste muito."
Por isso festeja a chegada ao disco: "Atualmente, há quatro meses só vivo de música. Fiz o disco, cantei na Lapa no Carnaval. Música não é tão cansativo. Espero que o disco venda bem e que eu faça um segundo. Deus querendo, não tem dúvida".


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