São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TV/CRÍTICA

Busca pelo sucesso atropela talento musical

ESTHER HAMBURGER
CRÍTICA DA FOLHA

Mais dois "reality shows" estrearam no último sábado: "Fama", na Globo, e "Popstars", no SBT. As duas emissoras perdem a oportunidade de arriscar e continuam a apostar na apresentação de programas parecidos em horários semelhantes.
A realização profissional no mundo do espetáculo permanece em pauta, dessa vez de maneira mais profissional e explícita. Os programas acenam com carreiras artísticas. Prometem uma espécie de transfusão de sangue azul que seria capaz de promover a aceitação de jovens talentos em um universo que aparece como o terreno da realidade -o dos holofotes.
A competição do domingo agora acontece também aos sábados. Os dois novos programas, como seus antecessores, têm origem em formatos já testados com sucesso no exterior. Seria talvez possível afirmar que "Fama" e "Popstars" representam uma "evolução" em relação à versão "casas".
Aqui não se trata simplesmente de eliminar o concorrente em gincanas entediantes e/ou escatológicas. A motivação é produtiva. As provas avaliam algo supostamente genuíno: o talento musical. Mesmo que não vençam, os aspirantes ao sucesso passam pela experiência das aulas em grupo.
Na Globo, as semelhanças com o "Big Brother" são grandes. Doze "eleitos", homens e mulheres, convivem no interior de uma "academia". Têm aulas de dança e canto; se exercitam, aprimoram suas habilidades. A cada semana dois serão eliminados. O público pode salvar um.
No SBT o palco da estréia foi o sambódromo. O espetáculo começa de massa. Seis mil garotas, selecionadas num universo de 30 mil inscrições, dançam e cantam lideradas por professores. E são avaliadas por um júri de especialistas, devidamente apresentado ao público -currículo e opiniões.
Há um apelo democratizante nessas iniciativas. No SBT a mensagem é explícita. O programa deve revelar talentos dispersos no território nacional. O objetivo é formar uma banda.
O sucesso pré-concebido trai o espírito da empreitada. Não interessa que tipo de música a banda fará ou qual a afinidade que pode vir a existir entre os componentes.
Consagrado antes mesmo de existir, o conjunto musical provavelmente já possui gravadora e contrato garantidos para o primeiro CD, sucesso antecipado de vendas. Já quanto ao segundo, o futuro é incerto e improvável.
Os compactos altamente editados que irão ao ar semanalmente, em linguagem moderna, deixam o tão anunciado talento individual de lado para enfatizar depoimentos alinhavados por uma narrativa formatada em tom convencional de melodrama. A competição é regada a suor e lágrimas. O foco não está na performance artística de cada um dos jovens bonitos e charmosos selecionados. As câmeras estão atentas às manifestações de emoção e gratidão.
Não se trata aqui de assumir um tom nostálgico convencional ao lembrar, por exemplo, que os festivais da Record ofereceram espaço a novos talentos, deram vazão ao espontâneo e imprevisto, mas seu foco estava na qualidade musical -e por isso fizeram história.
A disposição para o sucesso é louvável. Pena que aqui se confunda sucesso com fama, glamour com espetáculo. Paradoxalmente, no mundo saturado de câmeras é o valor do segredo que aumenta. E a publicidade não garante a sonhada transformação do plebeu em príncipe. Resta a diversão dos participantes.


Fama  
Onde: Rede Globo
Quando: todo sábado, por volta das 16h

Popstars   
Onde: SBT
Quando: todo sábado, às 19h45




Texto Anterior: Crítica: Moral do filme está no modo de narrar
Próximo Texto: Para Dançar: Dia do Trabalho pode ser de ócio pós-noitada
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.