São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 2002

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LITERATURA

Romance de estréia de policial aposentado traz protagonista que investiga assassinato de colega em São Paulo

Ex-delegado põe no papel detetive "real"

MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

Esta história é daquelas que raramente acontecem. Joaquim Nogueira, 61, nascido no Acre, vem de uma família de seringueiros. Mudou-se para São Paulo aos 20 anos. Já trabalhou como servente de pedreiro, pintor de paredes e ajudante de serralheiro. Sua vida foi melhorando. Virou bancário, oficial de Justiça e cursou a Faculdade de Direito da USP. Entrou para a Polícia Civil e se aposentou como delegado em 98.
Há um ano, enviou pelo correio o manuscrito de seu primeiro romance policial, "Informações sobre a Vítima", à Companhia das Letras, a mesma editora de Rubem Fonseca, outro ex-delegado.
Seu romance trafega pelas ruas de São Paulo em ambientes nos quais só vamos quando precisamos: as delegacias. Seus personagens são investigadores, delegados, escrivãs, PMs, carcereiros, presos, informantes e criminosos.
O ponto de partida é a morte de um investigador, Toninho, assassinado dentro do próprio carro, investigada por um colega, Venício, o narrador de 41 anos, um tipo solitário, amargurado e seco.
Nogueira, casado há mais de 40 anos com a mesma mulher, e com um filho advogado, está escrevendo um segundo romance, completamente diferente do primeiro.

Folha - O clima das delegacias é sempre sombrio, como o narrado em seu livro?
Joaquim Nogueira -
É desagradável. Não escrevi para elogiar nem para criticar a polícia. Não sou um teórico, nem escrevi um tratado. Tentei ser imparcial. Alguns não vão gostar, mas a maioria vai.

Folha - Alguns quem? Da polícia?
Nogueira -
O livro não vai ser bem recebido pela classe, sobretudo pelo pessoal da cúpula. Escrevi sobre a realidade do plantão. Eu não posso trapacear, fugir da raia. Como o meu personagem, tentei ser um policial digno.

Folha - Por que "tentei"?
Nogueira -
Fui punido duas vezes, mas nunca fui processado. Fiz a minha parte, e o Estado fez a dele. Só dei tiros uma vez. Fui mais um plantonista.

Folha - No seu livro, um PM é repreendido por uma escrivã quando ele ameaça um preso. Segundo ela, violência na delegacia é coisa do passado. Mudou a polícia?
Nogueira -
A polícia já jogou muito pesado, já foi muito violenta, arbitrária e corrupta. Hoje o controle é maior. Depois das políticas de direitos humanos, houve cobrança da sociedade e do Judiciário. Claro que ainda tem muita coisa ruim e corrupção.

Folha - O narrador diz que a população só gosta da polícia quando precisa. Por isso ele é solitário?
Nogueira -
Na polícia, existe muita deformação profissional. Alguns têm preconceito contra o povo, porque acham que é injusto ele não gostar da polícia. Tentei fazer o meu personagem real, plausível, e não como Marlowe [de Raymond Chandler]. Chandler foi um precursor, modernizou o romance policial. Marlowe era um detetive privado, um civil, e por isso tinha mais liberdade. Meu personagem é um funcionário público, preso a uma engrenagem, ao plantão. É um profissional que quer investigar, mas fica preso à rotina burocrática.



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