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LITERATURA
Romance de estréia de policial aposentado traz protagonista que investiga assassinato de colega em São Paulo
Ex-delegado põe no papel detetive "real"
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Esta história é daquelas que raramente acontecem. Joaquim Nogueira, 61, nascido no Acre, vem
de uma família de seringueiros.
Mudou-se para São Paulo aos 20
anos. Já trabalhou como servente
de pedreiro, pintor de paredes e
ajudante de serralheiro. Sua vida
foi melhorando. Virou bancário,
oficial de Justiça e cursou a Faculdade de Direito da USP. Entrou
para a Polícia Civil e se aposentou
como delegado em 98.
Há um ano, enviou pelo correio
o manuscrito de seu primeiro romance policial, "Informações sobre a Vítima", à Companhia das
Letras, a mesma editora de Rubem Fonseca, outro ex-delegado.
Seu romance trafega pelas ruas
de São Paulo em ambientes nos
quais só vamos quando precisamos: as delegacias. Seus personagens são investigadores, delegados, escrivãs, PMs, carcereiros,
presos, informantes e criminosos.
O ponto de partida é a morte de
um investigador, Toninho, assassinado dentro do próprio carro,
investigada por um colega, Venício, o narrador de 41 anos, um tipo solitário, amargurado e seco.
Nogueira, casado há mais de 40
anos com a mesma mulher, e com
um filho advogado, está escrevendo um segundo romance, completamente diferente do primeiro.
Folha - O clima das delegacias é
sempre sombrio, como o narrado
em seu livro?
Joaquim Nogueira - É desagradável. Não escrevi para elogiar nem
para criticar a polícia. Não sou um
teórico, nem escrevi um tratado.
Tentei ser imparcial. Alguns não
vão gostar, mas a maioria vai.
Folha - Alguns quem? Da polícia?
Nogueira - O livro não vai ser
bem recebido pela classe, sobretudo pelo pessoal da cúpula. Escrevi sobre a realidade do plantão.
Eu não posso trapacear, fugir da
raia. Como o meu personagem,
tentei ser um policial digno.
Folha - Por que "tentei"?
Nogueira - Fui punido duas vezes, mas nunca fui processado. Fiz
a minha parte, e o Estado fez a dele. Só dei tiros uma vez. Fui mais
um plantonista.
Folha - No seu livro, um PM é repreendido por uma escrivã quando
ele ameaça um preso. Segundo ela,
violência na delegacia é coisa do
passado. Mudou a polícia?
Nogueira - A polícia já jogou
muito pesado, já foi muito violenta, arbitrária e corrupta. Hoje o
controle é maior. Depois das políticas de direitos humanos, houve
cobrança da sociedade e do Judiciário. Claro que ainda tem muita
coisa ruim e corrupção.
Folha - O narrador diz que a população só gosta da polícia quando
precisa. Por isso ele é solitário?
Nogueira - Na polícia, existe
muita deformação profissional.
Alguns têm preconceito contra o
povo, porque acham que é injusto
ele não gostar da polícia. Tentei
fazer o meu personagem real,
plausível, e não como Marlowe
[de Raymond Chandler]. Chandler foi um precursor, modernizou o romance policial. Marlowe
era um detetive privado, um civil,
e por isso tinha mais liberdade.
Meu personagem é um funcionário público, preso a uma engrenagem, ao plantão. É um profissional que quer investigar, mas fica
preso à rotina burocrática.
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