São Paulo, segunda-feira, 30 de abril de 2007

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Biógrafos reclamam de censura

Para escritores, proibição de venda de livro sobre Roberto Carlos cria ameaça para outras obras

Ruy Castro lembra processo da família de Garrincha; para Jorge Caldeira, poderosos poderão impedir que se escreva sobre eles

DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DO RIO

O acordo firmado na última sexta-feira entre o cantor e compositor Roberto Carlos e a editora Planeta, que prevê a interrupção definitiva da produção e comercialização da biografia não-autorizada "Roberto Carlos em Detalhes", do jornalista e historiador Paulo Cesar Araújo, foi considerado uma ameaça pelo escritor e biógrafo Jorge Caldeira, autor dos livros "Mauá" e "José Bonifácio de Andrade e Silva".
"Daqui a pouco, qualquer personagem poderoso vai poder proibir que se escreva sobre ele. Conheço escritores que não aceitam fazer biografias porque não querem correr o risco de levar um processo. Um risco que, no Brasil, está cada vez maior", afirmou Caldeira.
Para o escritor, o caso abre um precedente "para um tipo de censura muito complicado, porque é baseado numa opinião subjetiva". "Não está em questão se o que se publicou é verdade ou mentira. Só o fato de que o biografado diga que está ofendido já basta para deslanchar um processo", diz ele.
O escritor afirmou ainda ver o "perigo" de isso se estender para a mídia. "Pode servir para que políticos que se sintam ofendidos por denúncias não sejam atingidos, por exemplo."
Para o advogado e colunista da Folha Walter Ceneviva, o caso é delicado. Por um lado, ele considera que é preciso reconhecer o direito de Roberto Carlos ou qualquer outra pessoa se defender de eventuais ataques mal-intencionados à sua honra. Por outro, diz "a liberdade de manifestação é irrestrita e o que cabe é a cobrança de uma indenização a posteriori". Ceneviva fala que o acordo firmado tem o valor de um contrato e encerra a questão, tendo sido fechado por iniciativa das partes.

Direito maior
Decisões e acordos judiciais como este furtam o público de conhecer personagens de sua história que poderiam contribuir para a "formação de uma identidade nacional", opina Roberto Feith, editor da Objetiva. "Não há motivo para sacrificar um direito maior, o da sociedade, por causa de um direito menor, o privado", acredita.
O jornalista, escritor e colunista da Folha Ruy Castro, biógrafo do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, do atleta Garrincha e da cantora Carmen Miranda, construiu apenas uma frase sobre o caso, que, segundo ele, resume todo o seu pensamento sobre a questão: "Vamos torcer para que, com a editora entregando 10 mil exemplares ao Roberto Carlos, ele pegue, pelo menos, um deles para ler".
Autor de "Estrela Solitária", sobre Garrincha, Castro conviveu por mais de dez anos com um processo movido pela família do jogador de futebol, que resultou no pagamento de uma indenização pela editora Companhia das Letras a duas filhas do jogador -cada uma recebeu R$ 30 mil.
"Não tive de entregar os exemplares restantes, mas o "Estrela Solitária", sobre a vida do Garrincha, ficou 11 meses proibido de circular e de ser reimpresso", diz Castro.
De dezembro de 1995, quando foi lançado, a novembro de 1996, lembra Castro, o livro ficou "fora da lei", ou seja, "proibido de circular, proibido de ser vendido, proibido de ser reimpresso". A ação só se encerrou em 2006, com um acordo feito a pedido dos herdeiros de Garrincha.
"Se o biografado não gostou da biografia, deveria processar o biógrafo, não o livro. As pessoas têm o direito de ler a biografia e saber se concordam com ela", afirma Castro.
Feith, da Objetiva, avalia que só caberia processo em caso de "erro" ou "inverdade" publicada na biografia, como acontece em outros países como nos Estados Unidos.
Para o editor, imbróglios judiciais como o caso de Roberto Carlos reduzem o interesse tanto de autores como editores em lançarem biografias, o que é "uma perda" para o público. Feith frisa que só fala em tese sobre o caso, pois não leu a biografia do cantor.


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