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Biógrafos reclamam de censura
Para escritores, proibição de venda de livro sobre Roberto Carlos cria ameaça para outras obras
Ruy Castro lembra processo da família de Garrincha; para Jorge Caldeira, poderosos poderão impedir que se escreva sobre eles
DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DO RIO
O acordo firmado na última
sexta-feira entre o cantor e
compositor Roberto Carlos e a
editora Planeta, que prevê a interrupção definitiva da produção e comercialização da biografia não-autorizada "Roberto
Carlos em Detalhes", do jornalista e historiador Paulo Cesar
Araújo, foi considerado uma
ameaça pelo escritor e biógrafo
Jorge Caldeira, autor dos livros
"Mauá" e "José Bonifácio de
Andrade e Silva".
"Daqui a pouco, qualquer
personagem poderoso vai poder proibir que se escreva sobre
ele. Conheço escritores que não
aceitam fazer biografias porque
não querem correr o risco de levar um processo. Um risco que,
no Brasil, está cada vez maior",
afirmou Caldeira.
Para o escritor, o caso abre
um precedente "para um tipo
de censura muito complicado,
porque é baseado numa opinião subjetiva". "Não está em
questão se o que se publicou é
verdade ou mentira. Só o fato
de que o biografado diga que está ofendido já basta para deslanchar um processo", diz ele.
O escritor afirmou ainda ver
o "perigo" de isso se estender
para a mídia. "Pode servir para
que políticos que se sintam
ofendidos por denúncias não
sejam atingidos, por exemplo."
Para o advogado e colunista
da Folha Walter Ceneviva, o
caso é delicado. Por um lado,
ele considera que é preciso reconhecer o direito de Roberto
Carlos ou qualquer outra pessoa se defender de eventuais
ataques mal-intencionados à
sua honra. Por outro, diz "a liberdade de manifestação é irrestrita e o que cabe é a cobrança de uma indenização a posteriori". Ceneviva fala que o acordo firmado tem o valor de um
contrato e encerra a questão,
tendo sido fechado por iniciativa das partes.
Direito maior
Decisões e acordos judiciais
como este furtam o público de
conhecer personagens de sua
história que poderiam contribuir para a "formação de uma
identidade nacional", opina
Roberto Feith, editor da Objetiva. "Não há motivo para sacrificar um direito maior, o da sociedade, por causa de um direito menor, o privado", acredita.
O jornalista, escritor e colunista da Folha Ruy Castro, biógrafo do escritor e dramaturgo
Nelson Rodrigues, do atleta
Garrincha e da cantora Carmen Miranda, construiu apenas uma frase sobre o caso,
que, segundo ele, resume todo
o seu pensamento sobre a
questão: "Vamos torcer para
que, com a editora entregando
10 mil exemplares ao Roberto
Carlos, ele pegue, pelo menos,
um deles para ler".
Autor de "Estrela Solitária",
sobre Garrincha, Castro conviveu por mais de dez anos com
um processo movido pela família do jogador de futebol, que
resultou no pagamento de uma
indenização pela editora Companhia das Letras a duas filhas
do jogador -cada uma recebeu
R$ 30 mil.
"Não tive de entregar os
exemplares restantes, mas o
"Estrela Solitária", sobre a vida
do Garrincha, ficou 11 meses
proibido de circular e de ser
reimpresso", diz Castro.
De dezembro de 1995, quando foi lançado, a novembro de
1996, lembra Castro, o livro ficou "fora da lei", ou seja, "proibido de circular, proibido de
ser vendido, proibido de ser
reimpresso". A ação só se encerrou em 2006, com um acordo feito a pedido dos herdeiros
de Garrincha.
"Se o biografado não gostou
da biografia, deveria processar
o biógrafo, não o livro. As pessoas têm o direito de ler a biografia e saber se concordam
com ela", afirma Castro.
Feith, da Objetiva, avalia que
só caberia processo em caso de
"erro" ou "inverdade" publicada na biografia, como acontece
em outros países como nos Estados Unidos.
Para o editor, imbróglios judiciais como o caso de Roberto
Carlos reduzem o interesse
tanto de autores como editores
em lançarem biografias, o que é
"uma perda" para o público.
Feith frisa que só fala em tese
sobre o caso, pois não leu a biografia do cantor.
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