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crítica
Nova trama tem o mérito da coloquialidade
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Depois de passar boa
parte da vida fazendo filmes à maneira
de Bergman, Woody Allen
nos últimos anos parece dedicado a fazê-los à maneira
de Fritz Lang. Era assim em
"Match Point" e assim é em
"O Sonho de Cassandra": a
questão central é a do momento decisivo, em que se joga o destino do personagem.
O entrecho trata de dois irmãos muito diferentes entre
si, mas próximos o bastante
para manter uma relação de
profunda cumplicidade.
Ian (Ewan McGregor) é o
insatisfeito sócio do pai em
um restaurante, que um dia
topa com um mulherão -o
que o deixa ainda mais insatisfeito em sua modéstia.
Tanto mais que, como o Zé
da Bomba de "Depois Eu
Conto" (José Carlos Burle,
1956), costuma passear com
os carrões que clientes deixam na oficina do irmão.
Terry (Colin Farrell) é o mecânico estável, casado. Ou
aparentemente estável, porque um jogador compulsivo.
Os dois são sócios no barco
Sonho de Cassandra, que dá
nome ao filme. Nada profundo: esse é o nome de um cavalo em que Terry jogou e se
deu bem, o que permitiu que
comprassem o barco.
Depois é que, para Terry,
vêm as dívidas, enormes, e
toda a torrente de ameaças
que acompanham esse tipo
de situação (Woody volta a
evocar Dostoiévski, que serviu de base a "Match Point").
Toda a esperança dos irmãos
está depositada em Howard
(Tom Wilkinson), o tio rico.
Quando surge em Londres,
mostra-se extremamente generoso com os sobrinhos,
mas lhes pede algo em troca:
terão de matar alguém.
Aí começa de fato o problema, pois tirar a vida de alguém é uma experiência infernal. Decidir-se por isso, assumir o momento único,
espantoso, em que o crime se
dará, é outro. Existe, por fim,
o que vem após o assassinato.
Ou seja: depois de todos os
circunlóquios, voltamos a
"Crime e Castigo". Woody
Allen é fiel a suas obsessões.
O crítico americano Roger
Ebert compara este filme a
"Match Point" de forma desfavorável. Considera que, naquela ocasião, Woody conseguiu tornar sublime um final inverossímil. Com todo o
respeito, me parece que "O
Sonho de Cassandra" tem o
mérito, ausente em "Match
Point", da coloquialidade.
"Match Point" carrega a tentação do grande cinema, o de
arte: tem um aspecto tão pernóstico quanto a família londrina que hospeda o tenista.
"O Sonho de Cassandra"
tem mise-en-scène mais
próxima dos policiais de série e uma pessoalidade que
parece ausente em "Match
Point". Sobretudo quando o
tio Howard aparece, nunca
se sabe se estamos diante de
uma comédia ou de um drama -e, no entanto, estamos
conscientes de que os dois
gêneros estão lá, quase se cutucando. Mas não consegue
evitar em inúmeros momentos esse lado um tanto pretensioso de Allen, essa necessidade de parecer profundo, que filmes como os de
Lang não tinham, até porque
eram os mais profundos.
O SONHO DE CASSANDRA
Produção: EUA/Inglaterra/França,
2007
Direção: Woody Allen
Com: Ewan McGregor, Colin Farrell
Onde: estréia hoje nos cines Bristol, Eldorado e circuito
Avaliação: bom
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