São Paulo, quinta-feira, 30 de abril de 2009

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CINEMA

Cineasta e artista criam pesadelos em "Filmefobia"

Cris Bierrenbach inventou aparelhos para aterrorizar fóbicos no longa de Kiko Goifman, que estreia hoje

"Documentário de ficção", que estreia hoje, apresenta cerca de 20 fóbicos frente a seus maiores medos, de pombos a borboletas


IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Citação 1: "-É uma máquina singular - disse o oficial ao explorador, percorrendo com um olhar de admiração o aparelho que ele, no entanto, conhecia bem." Assim começa "Na Colônia Penal" (1914), conto no qual Franz Kafka descreve um aparelho com agulhas e roldanas concebido para torturas.
Citação 2: "-Você me perguntou certa vez o que havia na sala 101. Respondi que você já sabia a reposta. O que existe na sala 101 é a pior coisa do mundo." Esta é uma fala de "1984" (1949), no qual George Orwell cria a sala de torturas customizada, na qual cada um é colocado frente a seu maior medo.
"Filmefobia", que estreia hoje, pode ser visto como uma mistura desses dois pesadelos. O diretor Kiko Goifman (na tela, o crítico Jean-Claude Bernardet) parte da frase "a única imagem verdadeira é a do fóbico diante da fobia" e tenta captar o desespero. Como? Construindo máquinas que traduzam o terror de cada fóbico.
"A ideia é causar o maior desconforto possível em quem estiver vendo", diz Goifman, 41.
Para tanto, ele chamou a artista plástica Cris Bierrenbach, 45. Responsável por tornar o horror uma realidade, Bierrenbach trabalhou com roldanas, correntes, cordas, brinquedos, espelhos e o que mais estivesse à mão para montar esses infernos particulares -alguns criados exclusivamente por ela; outros, adaptados de ideias macabras de Goifman e do roteirista Hilton Lacerda.
Ela construiu uma cama-gaiola para um fóbico por ratos. Uma máquina da morte para enrolar um "defunto". Um sistema de tubos transparentes para fazer circular sangue em volta da cabeça do diretor, que desmaiou na hora.
Um guindaste para fazer voar quem tem medo de avião. Uma bateria de de carrinhos bate-e-volta com pênis de borracha grudados para aterrorizar uma moça que não suporta a ideia de ser penetrada. Sistemas de sobe-e-desce para seringas ameaçadoras. Catapultas de botões. Ventilador para espalhar pelos. Cobra, araras, pombos e lesma.
Tudo isso com um orçamento reduzido, de R$ 1.500 para cada uma das 20 máquinas.
"O mais difícil foi que nunca podíamos testar as máquinas com os fóbicos, para não perder a surpresa. E algumas exigiam cálculos, usavam molas ou objetos içados", conta ela. "Buscamos sempre as ideias mais inusitadas. Na verdade, pode-se dizer que a gente se divertiu", diz.
Nem todo mundo se diverte, no entanto. Na segunda-feira, ela chegou dos EUA, onde acompanhou "Filmefobia" em dois festivais. "Os americanos ficaram chocados. Muitos saíram na metade do filme, dizendo que era tortura. Não é, porque os fóbicos aceitaram participar do filme. É apenas um acordo entre pessoas."


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