São Paulo, sábado, 30 de abril de 2011 |
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CRÍTICA ROMANCE "Zeitoun" é fundamental para entender eventos pós-Katrina ESPECIAL PARA A FOLHA Dave Eggers criou uma fórmula à qual parece estar apegado. Narrador seguro e sem dúvida talentoso, em seus últimos livros o norte-americano partiu de narrativas pré-existentes: em "Os Monstros" (2009), a matéria-prima foi o clássico infantil de Maurice Sendak, "Onde Vivem os Monstros", de 1963. Antes disso, em "O que É o Quê" (2008), Eggers se apoiou no depoimento de Valentino Achak Deng, jovem sudanês que sobrevivera à guerra civil em seu país, atravessando-o a pé com um grupo de crianças até chegar à Etiópia, onde permaneceu em campos de concentração por quase 15 anos. No livro mais recente, "Zeitoun" (2011), Eggers se baseia nos depoimentos da família homônima, principalmente nos do casal Kathy e Abdulrahman, um sírio-libanês que administra com a mulher uma empresa de pintura e reformas domésticas em Nova Orleans. O autor reconstrói a tragédia decorrente da passagem do furacão Katrina em agosto de 2005. A ideia surgiu ao ler a entrevista de Abdulrahman à antologia "Voices from the Storm". Eggers percebeu uma verdadeira soma dos terrores públicos de Bush: paranoia, sistema judicial em ruínas, fobia do islã etc. HERANÇA DE FAMÍLIA O romance originado desse empenho documental é fundamental para a compreensão dos eventos posteriores ao Katrina, um retrato do pântano social no qual nossos vizinhos do andar de cima têm chafurdado. É também um registro político que volta a promover certa ideia de literatura engajada. Há nessa revisão de gênero, contudo, algo de incômodo, perceptível pelos laivos de bom-mocismo e certo otimismo férreo -para não dizer mistificador- entrevisto nos protagonistas resultante da simpatia algo excessiva do autor pelos personagens. Em "Zeitoun", Abdulrahman é um herói abnegado, e sua construção se inicia na herança familiar: seu irmão mais velho é um capitão marítimo; o pai também era navegador. Quando Zeitoun é conclamado ao heroísmo, torna-se um Noé, resgatando desabrigados com seu bote. Reside nesse trabalho de construção do herói, porém, algo análogo à prosopopeia das fábulas, figura de linguagem que permitia aos narradores se expressarem através de objetos inanimados e sem voz com fins moralizantes e de modo edulcorador. Resta saber se as vozes resultantes dos objetos da aplicação de Dave Eggers soariam tão pouco ambíguas e idealizadas quanto soam ao serem transcritas. (JRT) ZEITOUN AUTOR Dave Eggers EDITORA Companhia das Letras TRADUÇÃO Fernanda Abreu QUANTO R$ 49 (400 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Crítica/Romance: Obra reflete Europa atual construindo o seu passado Próximo Texto: Crítica/Romance: Luz atormenta personagens do clássico "Sob o Sol de Satã" Índice | Comunicar Erros |
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