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CRÍTICA
Perdido no discurso
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Tudo começa bem na filmagem de "Um Copo de
Cólera", baseado no romance homônimo de Raduan Nassar.
Um carro que passa por
uma estrada silenciosa e rural, o outro carro que se sucede ao primeiro, a mulher
que segue o homem atravessando silenciosamente o
quintal de um sítio. Parece
que tudo vai ser ambientado e narrado com acerto e
precisão de imagens.
O silêncio e a sequência de
pequenas perseguições de
olhares e movimentos de
corpos entre a mulher e o
homem na casa reproduzem perfeitamente a tensão
que marca o relacionamento de um casal em conflito.
As cenas eróticas que logo
se seguem são de uma ousadia, uma beleza e uma espontaneidade raras no nosso cinema.
Tudo continua muito
bem, a sensação é de que estamos assistindo a um ótimo filme.
Verborragia
Até a cena do café da manhã na varanda, depois da
noite de sexo, e quando o
chacareiro (Alexandre Borges) descobre um trecho da
cerca viva destruído pelas
formigas-cortadeiras, tudo
ia muito bem.
Alexandre Borges firme
no papel do macho colérico,
Julia Lemmertz convincente no papel de fêmea meio
sedutora, meio seduzida.
É então que a coisa desanda de forma lamentável
-quando os personagens
abrem a boca para falar. O
filme se perde no discurso
literário de Nassar, soa falso
e teatral o diálogo baseado
fielmente no texto.
Impossível prestar atenção no que acontece daí por
diante.
E, não bastasse a verborragia (a tentativa de reproduzir o "esporro", a cólera
do chacareiro com a vida e
com as formigas) dos personagens, ainda existe a
presença redundante de um
narrador (o mesmo Borges).
Texto denso
Imagino a dificuldade
(mas não a impossibilidade) que deve ser adaptar para cinema um texto denso
como o de "Um Copo de
Cólera", transformar em
linguagem coloquial uma
narrativa quase impenetrável de tão perfeita.
O problema é o discurso
indireto livre (em que se estrutura a voz dos personagens de Nassar no romance), o fluxo da consciência,
que dá uma liberdade incalculável ao escritor, mas que
não serve ao cinema.
O diretor, Aluizio Abranches, diz que não queria
perder a força do texto
("por isso só modifiquei
três palavras"). Erro primário ou aposta errada?
Outra tentativa de manter
a densidade do romance
(na verdade uma novela de
80 páginas) parece ter sido a
opção por um filme de curta
duração (apenas 1 hora e 10
minutos).
O resultado é duvidoso.
Uma pena. Seria um ótimo
filme.
Avaliação:
Filme: Um Copo de Cólera
Produção: Brasil, 1999
Direção: Aluizio Abranches
Com: Julia Lemmertz, Alexandre
Borges
Quando: a partir de hoje, no
Espaço Unibanco 2
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