São Paulo, Sexta-feira, 30 de Abril de 1999
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CRÍTICA
Perdido no discurso

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Tudo começa bem na filmagem de "Um Copo de Cólera", baseado no romance homônimo de Raduan Nassar.
Um carro que passa por uma estrada silenciosa e rural, o outro carro que se sucede ao primeiro, a mulher que segue o homem atravessando silenciosamente o quintal de um sítio. Parece que tudo vai ser ambientado e narrado com acerto e precisão de imagens.
O silêncio e a sequência de pequenas perseguições de olhares e movimentos de corpos entre a mulher e o homem na casa reproduzem perfeitamente a tensão que marca o relacionamento de um casal em conflito. As cenas eróticas que logo se seguem são de uma ousadia, uma beleza e uma espontaneidade raras no nosso cinema.
Tudo continua muito bem, a sensação é de que estamos assistindo a um ótimo filme.

Verborragia
Até a cena do café da manhã na varanda, depois da noite de sexo, e quando o chacareiro (Alexandre Borges) descobre um trecho da cerca viva destruído pelas formigas-cortadeiras, tudo ia muito bem.
Alexandre Borges firme no papel do macho colérico, Julia Lemmertz convincente no papel de fêmea meio sedutora, meio seduzida.
É então que a coisa desanda de forma lamentável -quando os personagens abrem a boca para falar. O filme se perde no discurso literário de Nassar, soa falso e teatral o diálogo baseado fielmente no texto.
Impossível prestar atenção no que acontece daí por diante.
E, não bastasse a verborragia (a tentativa de reproduzir o "esporro", a cólera do chacareiro com a vida e com as formigas) dos personagens, ainda existe a presença redundante de um narrador (o mesmo Borges).

Texto denso
Imagino a dificuldade (mas não a impossibilidade) que deve ser adaptar para cinema um texto denso como o de "Um Copo de Cólera", transformar em linguagem coloquial uma narrativa quase impenetrável de tão perfeita.
O problema é o discurso indireto livre (em que se estrutura a voz dos personagens de Nassar no romance), o fluxo da consciência, que dá uma liberdade incalculável ao escritor, mas que não serve ao cinema.
O diretor, Aluizio Abranches, diz que não queria perder a força do texto ("por isso só modifiquei três palavras"). Erro primário ou aposta errada?
Outra tentativa de manter a densidade do romance (na verdade uma novela de 80 páginas) parece ter sido a opção por um filme de curta duração (apenas 1 hora e 10 minutos).
O resultado é duvidoso. Uma pena. Seria um ótimo filme.


Avaliação:


Filme: Um Copo de Cólera Produção: Brasil, 1999 Direção: Aluizio Abranches Com: Julia Lemmertz, Alexandre Borges Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 2

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