São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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CRÍTICA

A bunda metalingüística de "Celebridade"

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando havia arte, se dizia que, vez por outra, a vida a imitava, mas, nos tempos que correm, a vida tem imitado é a TV mesmo. E, o que é pior, naquilo que ela (a TV) tem de mais artificial e cretino.
Nesta semana, um pequeno experimento metalingüístico da novela "Celebridade" mostrou, além da bunda de Juliana Paes em toda a sua exuberância, muitas outras coisas interessantes e iluminadoras sobre as relações entre a ficção, o marketing e a vida, digamos, real.
Recapitulando, no novelão das oito, a atriz interpreta Jaqueline Joy, uma manicure que galgou rapidamente os degraus da fama e agora vê seu status de celebridade ameaçado pelo namorado e pela melhor amiga.
Num esforço de recuperar o terreno perdido, seu agente Nelito (vivido por Taumaturgo Ferreira) arma um assalto na praia e chama a "imprensa" para flagrar a nudez da moça. (Aliás, é o segundo falso assalto na praia de "Celebridade". Além de ser repetitiva, a piada é de mau gosto e sem graça, lembrando que a novela se passa no Rio de Janeiro.)
No dia seguinte, decepção: uma única fotografia, pequena e escondida, é o que rende o golpe de marketing. O tiro sai pela culatra, e o exibicionismo desmedido é punido com o silêncio e a indiferença.
Isso na ficção. Na vida, digamos, real, o negócio foi bem melhor. A armação da trama transmuta-se em um daqueles factóides amplamente anunciados, divulgados e de repercussão mais do que garantida.
O truque, ao que parece, veio mesmo para ficar: mesmo que a novela esteja indo bem de público, às tantas, inventa-se uma cena de impacto, em geral com uma relação apenas tangencial com a trama, de forma que se eleve ainda um pouco mais a quantidade de aparelhos ligados na emissora.
Para a Rede Globo, a anunciadíssima exibição das nádegas da moça levantou a audiência média para 51 pontos do Ibope. Não chegou a ser tão impressionante quanto os picos de 58 pontos conquistados no capítulo em que Maria Clara (Malu Mader) desancou Laura (Cláudia Abreu), mas, ainda assim, foi suficiente para render notinhas e fotos, antes e depois, e manter as atenções voltadas para a novela.
Para a dona das nádegas, a visibilidade conferida pelo episódio evidentemente não é de jogar fora. Juliana é a bola da vez no circo das vaidades: capa da edição de maio da "Playboy", contrato recente como garota-propaganda de uma marca de cerveja, estrela global em movimento ascendente etc. etc.
Ou seja, na ficção, o episódio pode ter um desfecho moral em que o tiro sai pela culatra. Já aqui fora, sem um autor para reparar os desvios do mundo, são outros quinhentos. O engodo vence, as caixas registradoras tilintam e o espectador, goste ou não, segue sendo submetido aos caprichos do deus marketing.

biabramo.tv@uol.com.br


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