São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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TELEVISÃO

Série do mestre do medo adapta sadismo do diretor Lars von Trier

Stephen King mergulha em terror hospitalar

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

Hospitais não são os lugares mais agradáveis do mundo para passar o dia. Imagine então se, além do cheiro de morte e doenças característicos, espíritos de criancinhas mortas resolvessem passear pelos corredores enquanto funcionários e médicos sádicos decidissem perturbar a paz dos pacientes. Para o escritor Stephen King, esse imaginário parque de diversões do terror serve de locação para a série "Kingdom Hospital", que estréia amanhã no AXN.
Esqueça, portanto, o universo de novelão de séries bem-sucedidas da TV como "E.R." e "Scrubs". É o escritor quem produz e escreve esse show de horrores em 13 partes. Mas há mais mentes e mãos perturbadas por trás da empreitada: o atual "rei" do cinema do mal-estar, Lars von Trier ("Dogville"). Em 1997, enquanto caçava filmes de terror obscuros em uma loja no Colorado, durante a produção de uma versão televisiva para "O Iluminado", King esbarrou com um filme de cinco horas de Von Trier, "Kingdom" ("Riget", de 1994).
Foi caso de amor -mórbido- à primeira vista em relação a essa obra que mistura humor negro e terror (leia texto ao lado). Logo em seguida, King entraria em contato com a Columbia para comprar os direitos.
"Imediatamente fiquei impressionado com o quanto assustador era o filme, e como é universal observar o mundo da medicina", disse King en entrevista à BBC.
No entanto, dois anos mais tarde, King estaria mais perto da morte e dos hospitais do que poderia imaginar. Enquanto fazia cooper perto de sua casa, o escritor foi atropelado por uma van. Entre fraturas na pélvis e na bacia, ele passaria por mais de cinco operações e os próximos anos internado para se recuperar.
Desde então, King usa o assunto de uma maneira ou de outra em seu trabalho. Em "Kingdom Hospital", o escritor tem um alter ego, "um dos artista plásticos mais famosos dos EUA", Peter Rickman (o ator Jack Coleman). Uma das seqüências iniciais encena o acidente. Segundo o produtor executivo, Mark Carliner, a série reproduz o atropelamento "frame por frame" -o tipo de van é o mesmo, assim como a causa (um motorista que se distrai na direção por ficar brigando com seu cachorro). A entrada de Peter no hospital é que desencadeará a trama de "Kingdom".
A série toca no potencial de medo que um simples hospital já provoca em qualquer pessoa. "Esperamos fazê-lo muito pior", disse King ao "New York Times".

Humor negro
Quem acompanha as obras de King, seja em livros, seja em adaptações para o cinema, vai reconhecer a recorrência a certos temas. O clima claustrofóbico, assombrado e quase desabitado do hospital remete ao hotel de "O Iluminado"; o solo amaldiçoado -o hospital é construído na mesma área onde, em 1869, uma fábrica foi incendiada, matando várias crianças-trabalhadoras- lembra "Cemitério Maldito", além do caráter autobiográfico.
Na série, o artista atropelado inicialmente tem poucas previsões de não virar tetraplégico. "Graças a Deus, o que acontece com ele no final das contas não aconteceu comigo", disse King.
Do original dinamarquês, o escritor manteve principalmente o humor negro. Na cena do atropelamento, por exemplo, enquanto está estatelado no acostamento da estrada, com o pescoço completamente torcido, Peter "conversa" com um imaginário tamanduá gigante. "Você está realmente ferrado", "diz" o bicho, que faz aparições esporádicas durante alguns episódios.
Em uma mistura de seres bizarros de longas de David Lynch e criancinhas-fantasmas de terror japonês, surgem personagens como o vigia quase cego do hospital e uma enfermeira que desmaia quando vê sangue.
Através do artista plástico semiconsciente, uma vidente (Sally Druse) começará a perceber a presença do fantasma de uma garota, que tenta revelar um segredo no hospital, local que as almas ficam perdidas entre a vida e a morte. Andrew McCarthy (de "A Garota de Rosa-Shocking") e Bruce Davison ("X-Men") também fazem parte do elenco.
Esta não é a primeira incursão do escritor ao mundo da televisão -ele já esteve por trás de duas outras séries, "Rose Red" e "Storm of the Century". Trata-se, porém, da primeira vez que ele adapta algo que não é seu. Nos EUA, "Kingdom Hospital" estreou pela ABC em março e tem duração total de 15 horas. O resultado, no entanto, não garantiu uma segunda temporada.


KINGDOM HOSPITAL. Quando: amanhã, às 21h, no canal AXN.


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