LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

É um trabalho basicamente emocional. Na versão em DVD (que vai ao ar na MTV nesta semana), são 19 canções. No formato CD, três composições a menos. Mas nada que impeça que se tenha uma visão ampla, retrospectiva e prospectiva, da carreira de um dos grupos mais sólidos da cena rock nacional, o Ira!.
Que, aos quase 20 anos com a formação atual e 11 discos depois do primeiro compacto, de 1983, finalmente chega ao acústico.
Não se trata, como ocorre com a maioria dos grupos e/ou artistas que se rende ao esquema "programa da MTV que vira DVD e CD de sucesso", de um apelo oportunista à chance de aliar, via especial para a TV, sucessos com convidados ilustres (embora haja ambos), buscando prioritariamente o sucesso comercial.
É, mais que isso, um balanço, um inventário de uma carreira longeva, e também a oportunidade de apresentar, por intermédio da execução ao vivo e gravada em vídeo, diversas composições novas que não chegaram ao disco no ano passado devido à crise fonográfica.

Coerência
A carga de emoção da performance liderada por Nasi, Edgard Scandurra, Gaspa e André Jung é perceptível em cada detalhe, da escolha do repertório à banda especialmente formada para a ocasião, dos cenários e concepções visuais do show ao time de convidados, enxuto, mas representativo de três gerações.
Complementares na concepção e no resultado final, CD e DVD formam um conjunto coerente. O que se deve destacar de cara, no segundo caso, é o visual retrô-futurista urbano concebido pelo artista plástico e cenógrafo Zé Carratu, que muito oportunamente resgata o clima anos 80 consagrado pela sua participação no grupo Tupinãodá, que marcou época na cidade de São Paulo. Zepelins, planetas e edifícios flutuantes, construídos em estruturas metálicas, propiciam uma ampliação mágica para o espaço cenográfico, que empresta uma dinâmica excelente para a ambientação do show.
O que também é favorecido pela formação dos músicos em círculo, voltados para o centro.
Das 19 composições do DVD, seis são desconhecidas do público, e pelo menos quatro ("Rubro Zorro", dedicada ao cineasta Rogério Sganzerla, "Boneca de Cera", "O Girassol" e "Eu Quero Sempre Mais"), músicas de "lado B", ou seja, pouco executadas à época em que foram gravadas e nem sempre levadas aos shows.
Das canções mais conhecidas, a releitura dos clássicos, como "Dias de Luta", "15 Anos - Vivendo e Não Aprendendo", "Flores em Você", "Envelheço na Cidade" e "Núcleo Base", certamente vai deixar os fãs mais empedernidos da banda em estado de graça.
As músicas que contaram com a atuação dos convidados são "Eu Quero Sempre Mais", "Tarde Vazia" e "Envelheço na Cidade".
Na primeira, a participação da roqueira baiana Pitty deu um vigor extra a uma canção pouco conhecida, que faz um delicioso link com outro clássico do grupo, "Longe de Tudo", sobretudo por intermédio do refrão.
Na segunda canção, a voz potente e o violão vigoroso do "Skank" Samuel Rosa resgatam uma simpática composição que retrata de forma bem-humorada os momentos vazios dos anos 80.
E, na terceira canção, o momento mais emocional do programa e do CD: a união do Ira! e da banda de apoio com os Paralamas acabou se convertendo numa inspirada jam session, finalizada por uma profusão de cordas que tanto poderia lembrar uma "quebradeira" country quanto a musicalidade caipira de Villa-Lobos. Foi o set mais aplaudido durante a gravação do programa.
Com relação às músicas inéditas -que deveriam constar de um disco todo de composições novas do grupo, não-realizado no ano passado-, o destaque, sem dúvida, fica por conta da inteligente "Flerte Fatal".

The Clash
Mas não há como deixar de citar a canção de abertura tanto do programa quando do CD, versão inspirada para um clássico do rock de todos os tempos, "Train Vain", do histórico disco "London Calling", do The Clash.
Do ponto de vista mais instrumental, citação obrigatória para o duelo de violões entre Edgard Scandurra e Tiago Castanho, em que o primeiro empresta todo o seu virtuosismo -é há anos um dos maiores guitarristas brasileiros- a uma belíssima performance flamenca.
"Para ser mais acústico, só se fosse na praia em volta da fogueira", comentou Scandurra, a respeito do trabalho, durante a primeira audição do DVD em um estúdio de São Paulo. De fato, se demorou para se render à desplugagem total, o Ira! o fez de maneira a não deixar dúvida de que tem competência para isso.

Acústico Ira!
   
Com: grupo Ira! - Nasi (vocais), Edgard Scandurra (violões), Gaspa (baixo), André Jung (bateria). Músicos convidados: Belo Paciello, Tiago Castanho, Lino Crizz, Michelle Abu e Jonas Moncaio. Convidados: Pitty, Samuel Rosa e Paralamas do Sucesso DVD - Lançamento: MTV. Direção: Romi Atarashi. Quanto: R$ 50, em média CD - Gravadora: Sony. Quanto: R$ 30, em média Quando: na MTV, na sexta, dia 4, às 21h