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FERNANDO BONASSI
Tempo estranho com gente esquisita
Comerciantes venderão
à vista, por temor de
perderem as parcelas de
clientes seqüestrados
CONSIDERANDO que a elite
branca, preta, amarela ou
vermelha de vergonha do que
não fez até agora não abrirá mão de
seus anéis de sociólogos e bacharéis
de direitos; que os advogados se especializarão nas entrelinhas dos
mandados, que os mandatos legislativos se eternizarão com essas imunidades ultrapassadas, que as jogadas do Executivo manterão fechado
o cofre dos benefícios para os exercícios dos juros, malas, juras e juízos
de uns e outros e que o aumento na
área de segurança só ocorrerá nos
subsídios às companhias aéreas, no
tamanho dos cemitérios, na espessura dos coletes e no calibre das pistolas, é bom ir avisando...
Os miseráveis mal empregados
deverão voar agarrados às bolsas
cheias de espanto e carteiras vazias
de valores em meio aos atentados
dos salários pagos pelos empresários.
As carteiras assinadas poderão ser
falsificadas em nome da estatística
comum. Os comuns serão considerados uma ameaça à Segurança Nacional, sendo banidos para a sarjeta
do desemprego culpado e culposo.
O lazer será uma ferida cauterizada a laser. A sarjeta nem será o último estágio da decadência na rua da
amargura.
Os corações serão blindados.
Os comerciantes venderão à vista
e pelos olhos da cara, por temor de
perderem as parcerias e parcelas
dos clientes seqüestrados ou chacinados durante os interrogatórios e
batidas do crediário.
O modelo de gestão dos lucros seguirá sendo o da congestão de alguns
acionistas atemorizados.
As cargas roubadas, informantes
contratados e adereços pirateados
deverão ser engavetados ou enterrados sob sete palmos de terra, para
não inspirarem a cobiça das feras ou
dos tiras da Receita Federal.
A receita dará despesa, e só mesmo os sonhos de padaria seguirão
doces e baratos, mas serão tão doces
e tão baratos que se tornarão enjoativos para os andarilhos da cidade
solitária, deserta e aterrorizada.
Pode até ser que o nosso próprio
exército seja convocado para nos
proteger uns dos outros e uns aos
outros, como a si mesmo.
Os guarda-costas mais vivos terão
abandonado seus postos de gasolina
em meio ao tiroteio dos cegos e viciados em barris de petróleo.
A burrice e a insegurança continuarão inversamente proporcionais
aos honorários desonrosos pagos
aos professores e policiais. Quanto
aos marginais, o preço dos pedágios
e arrochos será crescente.
A guerra civil será tão civilizada
quanto avacalhada, de acordo com a
cidadania ou vilania dos agentes
econômicos armados de teorias.
O estado de sítio será descartado,
já que, em teoria, o poder dos latifundiários será sempre maior do
que os quereres dos pequenos proprietários.
A grande propriedade permanecerá privada e hereditária, herdada
em meio ao caos dos maus elementos, como a celebridade, o tédio e o
câncer.
A imprensa, a bem da verdade da
vendagem, cobrirá os acordos como
se fossem polêmicas, as polêmicas
como se fossem disputas, as disputas como guerras e as guerras como
farras de revistas de fofocas.
A juventude excitada terá suas
gangues para protestar.
A literatura será abolida, já que
um gesto incendiário desses terroristas parece mais convincente do
que mil dessas páginas moralistas.
Os arrivistas que se aproveitarem
dessa oportunidade poderão ser
considerados honestos de acordo
com as circunstâncias e a contabilidade de suas campanhas apolíticas
ou apocalípticas.
Os governistas, oposicionistas e
macarthistas salvadores da pátria
continuarão acreditando que a melhor defesa é o ataque recíproco, numa sanha de narcisos por congressos de espelhos.
O gozo global desse capitalismo
manhoso será financiado pelos Estados mais pobres, doentes e acostumados ao sexo promíscuo dessas relações perigosas, provocando essa
sensação de impotência nos órgãos
sexuais dos animais mais carentes
de afeto, escolaridade e serenidade.
Apesar do fogo ter sido apagado,
toda essa frieza tende a esquentar
cada vez mais, já que a brasa continua acesa sob os escombros do susto, mantendo sua luz mortiça e mandando seus recados cifrados.
Pode ser que a pena de morte nem
seja a pena máxima...
Na hora de votar, convém lembrar: a liberdade que se dá aos representantes não é a mesma que se dá
um assaltante.
@ - fbonassi uol.com.br
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